TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

177 acórdão n.º 225/18 3. São dois os aspetos centrais da norma que prevê a noção de gestação de substituição (n.º 1 do artigo 8.º da LPMA) – e concretizados, além dos demais (e das condições, positivas ou negativas, das quais depende a licitude, bem como a validade e a eficácia do respetivo contrato), no regime constante nos vários números do artigo 8.º, em especial no n.º 2, no n.º 3 e no n.º 7 –, em que se sustentam as dúvidas sobre a sua (des) conformidade constitucional, em concreto com o princípio da dignidade da pessoa humana reportado em primeiro lugar à criança, mesmo a montante do dever do Estado, uma vez nascida aquela, de proteção da infância e da relevância do superior interesse da criança [que o Acórdão, aliás, bem acolhe no quadro da aná- lise do conflito de projetos parentais no âmbito da questão do consentimento da gestante ao longo de todo o processo (cfr. n.º 47) e, ainda, no quadro da análise das questões relativas ao regime da nulidade do contrato de gestação de substituição gratuito (cfr. n. os 48-49)]: a ‘entrega da criança após o parto’, pela gestante de substituição, aos beneficiários, enquanto «última obrigação essencial do contrato» (a que alude o n.º 47 do Acórdão); e a correspondente ‘renúncia’ (na expressão legal), em relação àquela, aos poderes e deveres pró- prios da maternidade pela gestante de substituição que dá à luz a criança e correlativo estabelecimento do vínculo da filiação diretamente pela lei (assim afastando a regra legal do artigo 1796.º, n.º 1, do Código Civil segundo a qual a filiação relativamente à mãe resulta, nos termos gerais, do facto do nascimento), ‘renúncia’ essa que se projeta, necessariamente, sobre a esfera jurídica da criança. E aquele entendimento, a partir das acima referidas normas do artigo 8.º, no sentido da sua desconfor- midade constitucional não pode deixar de se projetar, necessariamente, sobre as demais normas do artigo 8.º, conduzindo igualmente ao mesmo juízo (e, a título consequencial, sobre as demais da LPMA que se referem à gestação de substituição). 3.1. A noção de ‘gestação de substituição’ enquanto ‘situação’ regulada pelo direito (n.º 1 do artigo 8.º da LPMA) não vive sem o regime jurídico que permite a sua concretização em moldes lícitos (tendo em conta, em particular, as normas de punição respeitantes a condutas com vista à sua concretização fora dos casos previstos nos n. os 2 a 6 do artigo 8.º da LPMA, previstas nos n. os 3 a 5 do artigo 39.º da mesma Lei) e válidos (tendo em conta a cominação de nulidade para quaisquer negócios de gestação de substituição que desrespeitem o disposto nos n. os 1 a 11 do artigo 8.º). E, dessa noção – bem como da necessária ‘celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição’ (ainda que nos casos excecionais e limitados moldes previstos no artigo 8.º) –, resulta que a ‘situação’ de gestação de substituição é orientada e direcionada para o fim ou fins últimos de criação e gestação de vida humana e de nascimento de uma criança, que constitui o objeto da referida obrigação (por força da noção e do contrato que formaliza a ‘situação’ da gestação de substituição) de entrega, pela gestante de substituição, àqueles por conta de quem a gravidez de substituição foi suportada – os beneficiários. Ora, a mera possibilidade – constante da previsão legal da noção de ‘situação’ de gestação de substituição – de ‘entrega’ de um novo ser humano, enquanto obrigação cimeira decorrente de um contrato autorizado e celebrado a montante do uso de técnicas de PMA e do parto, não deixa de convocar a dignidade da pes- soa humana, em linha com a “fórmula do objeto” a que se alude no n.º 22 do Acórdão (ínsita, em especial, na fundamentação do Acórdão n.º 144/04, II, terceiro parágrafo, parte final), e para além da ‘fronteira’ aí assinalada da concreta degradação do ser humano, isto em conjugação com uma lógica de precaução, justi- ficada por se tratar de um domínio ou, segundo a terminologia legal, uma ‘situação’, além de extremamente complexa e sensível, cujos (novos) contornos suscitam questões que ultrapassam largamente a situação de uso de técnicas de PMA fora do quadro da gestação de substituição, em que as decisões relativas ao novo ser humano se situam na esfera ‘interna’ da (mulher) beneficiária direta de tais técnicas ou da esfera mais alargada do casal de sexo diferente ou de mulheres, casados(as) ou que vivam em condições análogas às dos cônjuges, beneficiários de tais técnicas (cfr. artigo 6.º da LPMA) – tendo presente que no âmbito da previsão da PMA a própria Constituição, no artigo 67.º, n.º 2, alínea e) , não deixou de impor a regulação de tais técnicas «em termos que salvaguardem a dignidade da pessoa humana» (admitindo, a propósito da questão do esvaziamento do alcance do limite da segunda parte da alínea e) do n.º 2 do artigo 67.º, uma «ideia de

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