TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

176 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL disposto no artigo 2.º, n.º 2, da mesma Lei (na redação dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto) – e, bem assim, do «modelo ou conceito de gestação de substituição» que o legislador quis admitir – cujos traços são sumariados também no ponto B.2 do Acórdão (cfr. n.º 9) –, resulta que «qualquer situa- ção» de «’gestação de substituição’», tal como entendida pelo legislador (cfr. n.º 1 do artigo 8.º), envolve necessariamente (além dos demais, incluindo, sendo caso disso, o dador) três ordens de sujeitos envolvidos ou intervenientes, numa relação também necessariamente, em parte (até à entrega da criança após o parto), ‘triangular’ que convoca interesses em parte convergentes, mas porventura divergentes: i) a mulher que se dispõe a suportar uma gravidez por conta de outrem e a entregar a criança após o parto renunciando aos poderes e deveres próprios da maternidade (a gestante de substituição); ii) aquele(s) por conta do(s) quais é suportada pela gestante de substituição uma gravidez por conta de outrem (os beneficiários); e, ainda, iii) a criança que é dada à luz pelo parto da gestante (a criança). Além disso, se «qualquer situação» de «’gestação de substituição’», não dispensará, nos termos do regime legal aprovado, a utilização de uma técnica de procriação medicamente assistida – desde logo por força da imposição legal nesse sentido (e de recurso aos gâmetas de, pelo menos, um dos beneficiários) e também no sentido de não poder a gestante de substituição, em caso algum, ser a dadora de qualquer ovócito usado no concreto processo em que é participante (cfr. n.º 3 do artigo 8.º da LPMA) –, a gestação de substituição afigura-se claramente distinta das técnicas de PMA em si mesmas consideradas. Isto, à partida, e além do mais, porque no caso da ‘situação’ de ‘gestação de substituição’, a finalidade última de tais técnicas, apesar de em si mesmas idênticas às utilizadas fora daquela ‘situação’ – procriar e, deste modo, gerar uma nova vida humana –, transcende (diversamente do que sucede nos casos de PMA fora do âmbito da ‘situação’ de ‘ges- tação de substituição’) a esfera daquela (gestante) que às mesma se submete, por força do (f )ato da entrega da criança após o parto (elemento da noção legal de gestação de substituição) – e da correlativa ‘renúncia’ aos poderes e deveres próprios da maternidade (cfr. artigo 8.º, n.º 1, da LPMA) –, assim se concretizando, a final, segundo a lei, a realização de um projeto parental de outrem, ou seja, dos beneficiários. Deste modo, se a utilização de uma técnica de PMA é, segundo o ‘modelo’ instituído pelo legislador, uma condição sine qua non de ‘qualquer situação’ de gestação de substituição, tal ‘situação’ distingue-se das situações de PMA fora do quadro da ‘situação’ de gestação de substituição, já que a mulher que se submete às técnicas de PMA na ‘situação’ de gestação de substituição não resulta ser a final, à luz do regime legal instituído, mãe da criança que venha a nascer, nem esta resulta ser filha daquela, mas sim dos beneficiários da ‘situação’ de gestação de substituição – por força do traço nuclear do regime instituído segundo o qual o vínculo jurídico da filiação resulta expressamente da lei que dispõe nesse sentido (cfr. n.º 7 do artigo 8.º da LPMA). 2.2. Ora, é no confronto das normas do artigo 8.º da LPMA com a Constituição, desde logo da norma daquele diploma legal que prevê a noção de gestação de substituição, de que resulta a referida relação ‘trian- gular’ e a ‘renúncia’, enquanto elemento da noção de gestação de substituição, em conjugação com a norma que prevê o estabelecimento por lei do (novo) vínculo de filiação (maternidade e paternidade) em relação aos beneficiários da ‘situação’ de gestação de substituição (cfr. n. os 1 e 7 do artigo 8.º da LPMA), que se entende dever ser convocado o princípio da dignidade da pessoa humana, na sua dimensão de limite, e do qual se entende resultar um juízo de desconformidade constitucional das normas do artigo 8.º da LPMA que consagram a noção e os diversos traços do regime da ‘situação’ de gestação de substituição que a concre- tizam, incluindo os relativos à celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição e às condições de validade e de licitude dos mesmos. E, no referido confronto, entende-se não se poder deixar de levar especialmente em consideração, à partida, a terceira referida ordem de sujeitos envolvidos e respetivos interesses – os da (após o parto) criança – uma vez que, sendo esta o elemento mais frágil à partida, das normas que integram o regime legal sindicado resulta um conjunto de incertezas (naquele quadro porventura insuperáveis) quanto ao seu estatuto jurídico que, à luz de uma lógica de precaução ou cautelar, se entende serem incompatíveis com o princípio da dig- nidade da pessoa humana, pelas razões que de seguida, no essencial, se enunciam.

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