TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
174 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL estabelece é um critério jurídico de parentalidade para o caso particular da gestação de substituição lícita, que se baseia na ponderação legislativa da especial força da pretensão dos beneficiários a serem tidos como pais da criança. Num regime em que a gestante não pode ser progenitora da criança e em que pelo menos um dos beneficiários tem de o ser, a que se soma o facto necessário de a beneficiária não ter capacidade natural ou condições de saúde para suportar uma gravidez até ao fim, não é de admirar que o legislador tenha enten- dido que, mesmo nos casos em que a gestante venha a revelar, no decurso da gestação e até ao momento da entrega, a vontade de ser reconhecida como mãe da criança, deve ser dada prevalência ao projeto parental que os beneficiários protagonizam. No mínimo, há que reconhecer que se trata de uma ponderação razoável dos interesses em jogo, que deveria merecer a deferência do Tribunal Constitucional. 9. Finalmente, não consigo vislumbrar a coerência e o mérito da invocação do superior interesse da criança como critério de maternidade nas situações de «concurso de projetos parentais». A falta de coerência está no facto de a propugnada «avaliação casuística» frustrar, no fim de contas, a tutela do «direito ao arrependimento» da gestante − e, por via dela, dos seus direitos fundamentais a cons- tituir família e ao livre desenvolvimento da personalidade. Para quem entenda que a gestante dispõe, no momento da celebração do negócio, do seu direito de vir a ser reconhecida como mãe da criança, não vejo que faça sentido defender que o efeito da revogação do consentimento não deva ser a atribuição da mater- nidade à gestante, mas a resolução judicial do conflito de pretensões. Das duas, uma: ou a maternidade da gestante é o ponto de partida modificado pelo negócio de gestação de substituição – caso em que a revogação do consentimento deveria restabelecer automaticamente esse ponto de partida; ou é um critério jurídico de maternidade possível no contexto particular da gestação de substituição – caso em que o problema não é de revogação do consentimento, mas de ponderação legal de critérios alternativos. A falta de mérito, no meu juízo, está na suposição de que abrir um conflito judicial entre protagonistas de projetos parentais concorrentes serve o superior interesse da criança. Para além de me parecer insólita a ideia de que a maternidade deve ser estabelecida segundo uma «avaliação casuística», em vez de resultar da aplicação de critérios legais, pergunto-me qual será o critério jurídico da paternidade nos casos em que o tribunal ajuizar ser do superior interesse da criança decretar a maternidade da gestante. O marido da ges- tante, quando ela seja casada? O beneficiário, quando seja o progenitor? O beneficiário, mesmo que não seja o progenitor? Um terceiro que se apresente com um «projeto parental» interessante? Parece-me que a complexidade e a indeterminação do estabelecimento da filiação, no contexto de uma «avaliação casuística», constitui uma lesão maior do interesse de qualquer criança nascida através de gestação de substituição lícita do que o critério – objetivo, seguro e razoável − do n.º 7 do artigo 8.º da LPMA. Em boa verdade, não consigo pensar numa solução mais prejudicial do que essa. – Gonçalo de Almeida Ribeiro. DECLARAÇÃO DE VOTO A) Normas do artigo 8.º («Gestação de substituição») da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho (na redação intro- duzida pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto) 1. Vencida, parcialmente, quanto ao juízo de inconstitucionalidade relativo às normas do artigo 8.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho (na redação introduzida pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto) constante das alíneas a) a d) da Decisão, quer quanto às normas abrangidas pelo juízo de inconstitucionalidade e, bem assim, pelo juízo de inconstitucionalidade consequente [cfr. III. Decisão, respetivamente alíneas a) , b) e d) e alínea c) ], quer quanto à respetiva fundamentação, por se entender que tal juízo deveria abranger todas as normas do artigo 8.º por violação, antes do mais, do princípio da dignidade da pessoa humana consagrado no artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa.
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