TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

173 acórdão n.º 225/18 parto por si indesejados. Tal importa, conclui-se, uma violação excessiva do seu direito ao livre desenvolvi- mento da personalidade. No caso de o arrependimento incidir sobre o compromisso de entregar a criança, a impossibilidade de revogação implica que a gestante não pode voltar atrás na decisão de renunciar aos poderes e deveres da maternidade sobre a criança que deu à luz, mesmo que, entretanto, tenha desenvolvido em relação a ela um «projeto parental» próprio. Tal importa, conclui-se, uma violação excessiva dos seus direitos a constituir família e ao livre desenvolvimento da personalidade. Neste último caso, entende-se ainda que o concurso de «projetos parentais» dos beneficiários e da gestante deve ser resolvido, não de acordo com um critério legal como o do n.º 7 do artigo 8.º da LPMA – nos termos do qual os beneficiários são sempre tidos como pais da criança −, mas de acordo com uma «avaliação casuística», presumivelmente de natureza judicial, orientada pelo critério do «superior interesse da criança». 8. No essencial, subscrevo a premissa maior do juízo de inconstitucionalidade. «[A] gestação – afirma-se na decisão − é um processo complexo, dinâmico e único, em que se cria uma relação entre a grávida e o feto que se vai desenvolvendo no seu seio. Daí poder questionar-se até que ponto é que um consentimento prestado ainda antes da gravidez (…) é verdadeiramente informado quanto à totali- dade desse mesmo processo. […] [T]endo a gestante deixado de querer continuar no processo de gestação de substituição tal como delineado no correspondente contrato, deixa também de poder entender-se que a sua participação em tal processo corresponde ao exercício do seu direito ao desenvolvimento da personalidade.» Parece-me, com efeito, que a mesma liberdade com fundamento na qual a gestante deve poder cele- brar negócios de gestação de substituição impõe que não fique amarrada a uma gravidez que se lhe tor- nou insuportável. A lei tem de consagrar o «direito ao arrependimento» da gestante. A minha divergência diz sobretudo respeito às premissas menores do juízo de inconstitucionalidade, relativas à interpretação do regime legal, quer em matéria de interrupção voluntária da gravidez, quer em matéria do estabelecimento da maternidade. Por um lado, não creio que a impossibilidade formal de revogação do consentimento, enquanto tal, con- dicione o recurso à interrupção voluntária da gravidez, nos termos legalmente previstos. De facto, segundo o disposto no n.º 10 do artigo 8.º da LPMA, do contrato entre as partes «devem constar obrigatoriamente, em conformidade com a legislação em vigor, as disposições a observar em caso de (…) eventual interrupção voluntária da gravidez.» Este preceito não remete para o contrato as disposições a observar em matéria de interrupção voluntária da gravidez, mas na eventualidade de ela vir a ocorrer, nas situações em que a lei a admite. Do que se trata não é de determinar se, ou em que condições, a gestante pode pôr fim à gravidez – matéria regulada no artigo 142.º do Código Penal −, mas das consequências desse facto na relação jurídica constituída pelo negócio de gestação de substituição. A gestante pode, assim, revogar tacitamente o consen- timento dado. É claro que, como se assinala na decisão, a determinação contratual das consequências pode condicionar indiretamente a possibilidade de interrupção voluntária da gravidez – v. g. , através de cláusulas penais ou da remissão para as regras gerais em matéria de não cumprimento das obrigações −, em termos que podem chegar ao ponto de restringir intoleravelmente a liberdade da gestante. Sucede que tal importa a inconstitu- cionalidade, não da solução consagrada no n.º 8 do artigo 8.º da LPMA, mas apenas da norma que consta do segmento do n.º 10 que diz diretamente respeito à matéria aqui em causa. Por outro lado, não creio que, pese embora o teor do n.º 1 do artigo 8.º da LPMA, a gestante renuncie, no momento da celebração do negócio, a um qualquer direito, que supostamente lhe caberia nos termos gerais (artigo 1796.º, n.º 1, do Código Civil), de ser mãe da criança que vier a nascer. A maternidade não é disponível, como se tal disponibilidade manifestasse a «liberdade negativa de constituir família»; no caso de procriação através de relações sexuais, não se admite que a mulher que dá à luz possa recusar a condição de mãe. Muito menos se concebe a renúncia antecipada à maternidade. O que o n.º 7 do artigo 8.º da LPMA

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=