TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

166 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Estou vencido quanto ao juízo de não inconstitucionalidade, compreendido na alínea f ) da decisão, incidente sobre o segmento do n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho (referida adiante pela sigla «LPMA»), que impõe a gratuitidade como condição da licitude e da validade dos negócios de gestação de substituição. Estou, consequentemente, vencido quanto ao juízo de não inconstitucionalidade que recai sobre o n.º 5 do artigo 8.º do mesmo diploma, preceito que proíbe a remuneração dos serviços prestados pela gestante. E, em consequência de tudo isto, considero que o Tribunal deveria ter declarado a inconstitu- cionalidade da incriminação da celebração de negócios onerosos de gestação de substituição, e bem assim da sua promoção, consagrada nos n. os 1, 2 e 6 do artigo 39.º Estou também vencido quanto ao juízo de inconstitucionalidade, expresso na alínea b) da decisão, incidente sobre a norma do n.º 8 do artigo 8.º da LPMA, conjugado com o n.º 5 do seu artigo 14.º, na parte em que não admite a livre revogação do consentimento da gestante de substituição até ao momento em que ocorra a entrega da criança aos beneficiários. Estou, consequentemente, vencido quanto ao juízo de inconstitucionalidade, expresso na alínea c) da decisão, incidente sobre a norma do n.º 7 do artigo 8.º do mesmo diploma, que determina, sem exceções, serem os beneficiários da gestação de substituição, desde que conforme à lei, tidos por pais da criança que a gestante vier a dar à luz. Como se depreende do seu enunciado, a minha divergência com a decisão do Tribunal em matéria de gestação de substituição é substancial. São vastas e fundamentais, como procurarei explicar, as razões que me separam da posição que obteve vencimento. Mas essa circunstância não deve obscurecer o facto de que as inconstitucionalidades do regime vigente declaradas nas alíneas a) e d) da decisão – que eu subscrevo sem reservas, e sobre as quais há unanimidade entre os trezes juízes que compõe o Tribunal Constitucional – são suficientes para prejudicar irremediavelmente a sua aplicação, o mesmo é dizer, em termos práticos, são suficientes para concluir pela impossibilidade futura de celebração de negócios de gestação de substituição nos moldes previstos no artigo 8.º da LPMA. Não é demais sublinhar o ponto prévio de que as fraturas que nos dividem, naturais numa matéria tão complexa, controversa e delicada como aquela a que a decisão diz respeito, não nos dividem quanto a essa conclusão essencial. A) A Proibição da Gestação de Substituição Onerosa 2. Do confronto do «modelo português» de gestação de substituição com o princípio da dignidade da pessoa humana – o principal fundamento invocado pelos requerentes para a inconstitucionalidade de todo o regime consagrado no artigo 8.º da LPMA –, e em particular a dignidade da gestante, o Tribunal retira três consequências importantes: a primeira, é a de que a gestação de substituição, apesar de não ser objeto de direitos fundamentais, tem «relevância constitucional positiva», atentos os interesses que através dela se realizam; a segunda, é a de que o reconhecimento legal da gestação de substituição, como meio de suprir a incapacidade natural da beneficiária gerar uma criança, corresponde a um opção livre do legislador – não imposta, mas tolerada, ou até mesmo estimada, pela ordem constitucional; a terceira, é a de que a gratui- tidade do negócio é uma garantia incontornável de liberdade da gestante e de respeito pela sua dignidade. Daqui resulta que o «modelo português» de gestação de substituição – cujos elementos essenciais são a proibição da substituição genética, a utilização necessária de gâmetas de um dos beneficiários, a natureza subsidiária da gestação sub-rogada e a imposição de gratuitidade do negócio – é compatível com a proteção constitucional da dignidade da gestante. Não subscrevo qualquer destas afirmações. Entendo, em primeiro lugar, que a gestação de substituição é objeto de direitos fundamentais: a liberdade de procriar e de constituir família dos beneficiários (artigo 36.º, n.º 1) e a liberdade geral de ação compreendida no direito ao livre desenvolvimento da personali- dade da gestante (artigo 26.º, n.º 1). Em segundo lugar, considero que, não existindo quaisquer razões

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