TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

158 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da solução prevista no artigo 10.º, n.º 2, da mesma Lei – «[o]s dadores não podem ser havidos como pro- genitores da criança que vai nascer» –, pelo que o pedido não fica, nesta parte, desprovido de sentido nem inutilizado. 82. Com efeito, quando uma mulher recorra às técnicas de PMA sozinha, isto é, não enquanto membro de um casal de pessoas casadas entre si ou que vivam em condições análogas às dos cônjuges, de acordo com a lei em apreço, a sua gravidez só se torna possível mediante a utilização de gâmetas masculinos doados. Poderá também recorrer à doação de embriões, mas, em qualquer caso, o esperma inevitavelmente necessário para gerar um filho pertencerá a um terceiro, que a ela não se encontre unido, de facto ou pelo casamento. Cria-se, assim, através do recurso à ciência, uma família voluntariamente monoparental, ab initio . Assim sendo, afigura-se como inteiramente desprovida de sentido a averiguação oficiosa da paternidade, uma vez que, ainda que pudesse ser conhecida a identidade do dador, este não poderia ser tido como proge- nitor da criança nascida. Desta forma, e no caso presente, o legislador limitou-se a estabelecer uma exceção à regra da averiguação oficiosa da paternidade, evitando os transtornos para a mãe e a criança daí necessariamente decorrentes, bem como a mobilização de meios públicos para um processo sem qualquer propósito. Dada a especificidade desta situação – evidentemente distinta da dos filhos de “mães solteiras” que não recorreram a técnicas de PMA e que terão sempre, portanto, um pai biológico e jurídico, cuja identidade é determinável – não se vê como possam ter sido violados os princípios constitucionais invocados. Desde logo, a solução do artigo 20.º, n.º 3, da LPMA não pode ser tida por violadora do princípio da igualdade, visto que o legislador quis encontrar uma regra diferente para uma realidade também diferente, no que à geração de uma criança diz respeito. Por outro lado, a norma em causa afigura-se razoável e propor- cional, tendo em mente a necessidade de salvaguarda de direitos fundamentais, quer da mãe, quer da própria criança gerada por mulher sozinha com recurso a PMA, designadamente, o respeito pela sua vida privada e familiar. Quanto aos direitos, também convocados, nesta sede, pelos requerentes, à identidade pessoal, ao desen- volvimento da personalidade e à identidade genética, e ao princípio da dignidade da pessoa humana, cabe notar que eventuais lesões, neste plano, decorreriam não da dispensa de averiguação oficiosa de uma paterni- dade, que de iure não existe; mas, sim, da utilização de gâmetas doados em si mesma, o que implicaria uma avaliação da constitucionalidade do recurso a procriação heteróloga, a qual também não foi requerida. E. Limitação de efeitos 83. Recorde-se que são traços essenciais do modelo português de gestação de substituição, entre outros, a excecionalidade e a sujeição a autorização prévia dos contratos de gestação de substituição (cfr. os n. os 2 e 3 do artigo 8.º e supra o n.º 9), competindo tal autorização ao CNPMA, depois de ouvida a Ordem dos Médicos; e, bem assim, o afastamento do critério geral de estabelecimento da filiação previsto no artigo 1796.º, n.º 1, do Código Civil, uma vez que a criança nascida em consequência de tal modo de procriação é tida como filha de quem figura como beneficiário no dito contrato (cfr. os n. os 4 e 7 do mesmo preceito e, de novo, supra o n.º 9). Atenta a data do início de vigência das alterações ao artigo 8.º da LPMA introduzidas pela Lei n.º 25/2016 – 1 de agosto de 2017, conforme decorre dos artigos 3.º e 4.º, n.º 2, da Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, em conjugação com os artigos 1.º e 8.º do Decreto Regulamentar n.º 6/2017, de 31 de julho –, é possível que presentemente se encontrem em fase de execução contratos de gestação de substituição já autorizados pelo CNPMA ao abrigo do regime excecional agora declarado inconstitucional, com força obrigatória geral. Esta declaração de inconstitucionalidade produz, em regra, efeitos desde a entrada em vigor das normas declara- das inconstitucionais (cfr. o artigo 282.º, n.º 1, da Constituição). Consequentemente, tais contratos terão de

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=