TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
156 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL sua existência pode menorizar, de alguma forma, o essencialíssimo papel dos pais – pais no plano jurídico e no plano fáctico – da pessoa nascida de PMA com recurso a gâmetas de terceiro. 79. As considerações que antecedem valem, no essencial, igualmente para a questão do conhecimento da identidade da gestante de substituição. Esta, apesar de dar à luz a criança, não é tida como sua mãe (artigo 8.º, n.º 7, da LPMA). Mas, por outro lado, atenta a natureza da relação intrauterina e a sua importância constitutiva para a futura criança (cfr. supra o n.º 43), a gestante de substituição pode tornar-se – e a probabilidade de que tal aconteça será tanto maior, quanto mais próxima for a sua relação com o casal beneficiário – um ponto de referência relevante no «itinerário biográfico» daquela. Com efeito, a gestação é uma vivência pessoal diferenciadora, pelo que é compreensível a pretensão de conhecer a identidade de quem a suportou, por razões análogas às que funda- mentam a pretensão do conhecimento das origens genéticas. Neste contexto, são plenamente aplicáveis as considerações feitas supra no n.º 76. Por outro lado, no quadro do modelo português de gestação de substituição, só é gestante de substituição quem assume expressa e conscientemente a vontade de cooperar com o casal beneficiário na procriação, de modo a que este crie uma família com um filho com o qual mantenha uma ligação genética (cfr. supra os n. os 8, 24 e 28). Conse- quentemente, o aludido princípio de responsabilidade já está necessariamente presente (cfr. supra o número anterior). 80. Nestes termos, é de concluir, à luz das conceções correntes acerca da importância do conhecimento das próprias origens, enquanto elemento fundamental da construção da identidade, que a opção seguida pelo legislador no artigo 15.º, n. os 1 e 4, da LPMA de estabelecer como regra, ainda que não absoluta, o anonimato dos dadores, no caso da procriação heteróloga, e, bem assim, o anonimato das gestantes de subs- tituição – mas, no caso destas, como regra absoluta –, merece censura constitucional. Efetivamente, mal se compreende, hoje, que o regime regra permaneça o do anonimato, que constitui uma afetação indubita- velmente gravosa dos direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade, consagrados no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição. Combinando as exigências emanadas do núcleo essencial destes direitos com o padrão imposto pelo princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Consti- tuição, e repetidamente mobilizado e explicado por este Tribunal, afigura-se desnecessária tal opção, mesmo no que respeita à salvaguarda de outros direitos fundamentais ou valores constitucionalmente protegidos, que sempre poderão ser tutelados de maneira adequada, através de um regime jurídico que consagre a regra inversa: a possibilidade do anonimato dos dadores e da gestante de substituição apenas – e só – quando haja razões ponderosas para tal, a avaliar casuisticamente. D. A dispensa de averiguação oficiosa da paternidade 81. Os requerentes questionam ainda a dispensa da averiguação oficiosa da paternidade, consagrada no artigo 20.º, n.º 3, da LPMA, que tem o teor seguinte: «Se apenas teve lugar o consentimento da pessoa submetida a técnica de PMA, nos termos do artigo 14.º, lavra-se apenas o registo de nascimento com a sua parentalidade estabelecida, sem necessidade de ulterior processo oficioso de averiguação.» Esta norma aplica-se apenas aos casos em que uma mulher, a título individual, ou seja, fora do contexto de um casamento ou de uma união de facto, tenha recorrido a técnicas de PMA para engravidar, já que nos restantes casos, nomeadamente no citado contexto, a aplicação de tais técnicas é obrigatoriamente precedida do consentimento «dos beneficiários», conforme previsto no artigo 14.º da LPMA. Os beneficiários são, tal
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