TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
155 acórdão n.º 225/18 autodefinição da sua identidade e o desejo de conhecer a sua verdade biográfica, busca as origens do seu ser, a fim de «encontrar pontos de referência seguros de natureza genética, somática, afetiva ou fisiológica» (cfr. o Acórdão n.º 401/11). 77. Importa considerar igualmente a perspetiva dos dadores, enquanto pessoas que colocam ao serviço de outrem que não conhecem, no quadro de um processo da PMA, a sua capacidade procriativa, os seus gâmetas, a fim de gerar uma criança. O estatuto do dador não é, do ponto de vista legal, o de pai ou mãe, da pessoa assim nascida, uma vez que o artigo 10.º da LPMA proíbe o estabelecimento de laços de filiação entre eles. Em consequência, a possibilidade de conhecimento da identidade dos dadores de gâmetas e/ou embriões não implica, de forma alguma, o reconhecimento de qualquer vínculo legal de ordem filial: é, efetivamente, distinto revelar a iden- tidade dos dadores e investi-los nos direitos e obrigações correspondentes à paternidade ou maternidade, o que mal se compreenderia face à inexistência, por parte daqueles, de qualquer projeto de parentalidade. A figura do dador é importante, por outro lado, porque um dos principais argumentos avançados pelos autores que defendem a regra do anonimato é o risco de diminuição do número de dadores. Contudo, embora esta tendência se verifique, por vezes, numa primeira fase, logo a seguir a modificações legislativas no sen- tido de uma maior abertura, a verdade é que em países que já operaram tal mudança o número de dado- res voltou a aumentar, em período posterior. De acordo com a Human Fertilisation and Embriology Autho- rity britânica, o número de dadores e de ciclos de tratamento efetuados com recurso a gâmetas doados tem aumentado de forma notória, nos últimos anos (cfr. Fertility treatment 2014 – Trends and figures, acessível em http://ifqtesting.blob.core.windows.net/umbraco-website/1783/fertility-treatment2014-trends-and-figures.pdf ) . Perde, por isso, relevância este argumento, na medida em que parece poder alegar-se que a captação de dado- res é influenciada por vários fatores distintos e que, num quadro legal em que prevaleça a regra do direito ao conhecimento das origens, aqueles serão, necessariamente, mais conscientes do seu papel na criação de uma vida e, desta forma, melhores dadores, do ponto de vista ético. De todo o modo, esta consideração de natureza empírica, dada a falta de uma evidência concludente, no sentido de a mencionada regra do direito ao conhecimento das origens determinar uma redução drástica do número de dadores, é insuscetível de constituir um óbice relevante ao reconhecimento de tal direito. 78. Em suma, tem-se vindo a fortalecer a posição que sustenta dever a doação, no quadro de um pro- cesso de PMA, ser entendida de acordo com um verdadeiro princípio de responsabilidade, por parte de todos os envolvidos. A evolução verificada neste domínio no plano do direito comparado é elucidativa. Acresce que as pró- prias conceções políticas e sociais nacionais também têm evoluído nesse sentido, sendo digna de registo, a esse propósito, a garantia do acesso ao conhecimento das origens, a solicitação expressa do adotado com idade igual ou superior a 16 anos, consagrada no artigo 6.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Processo de Ado- ção, aprovado pela Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro (cfr. também o artigo 1990.º-A do Código Civil, aditado pela referida Lei). Na verdade, de um tempo em que o segredo sobre as origens se considerava justificado e até desejável, passou-se a um quadro concetual que promove a transparência nas relações humanas, incluindo as relações familiares. Por toda a Europa se assiste a um progressivo reconhecimento, em termos amplos, do direito a aceder aos dados sobre a própria origem, incluindo a identidade dos dadores, como decorrência necessária da proteção constitucional conferida ao direito à identidade e à historicidade pessoal. Assim, é difícil compreender que o legislador português – que alterou, recentemente e de maneira subs- tancial, a LPMA – continue a optar por uma solução que se centra nos gâmetas, isoladamente considerados, apagando, por regra, a identidade do dador, e presumindo, sem que para tal se descortine fundamento sufi- ciente, que este rejeitará o reconhecimento do seu papel na criação de vida humana, ou que a assunção da
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