TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

154 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Relativamente ao direito à identidade genética, a que faz referência o n.º 3 do artigo 26.º da Constitui- ção, cumpre recordar o que o Tribunal afirmou no Acórdão n.º 101/09: «É na medida em que a pessoa é condicionada na sua personalidade pelo fator genético que a identidade gené- tica própria se torna uma das componentes essenciais do direito à identidade pessoal (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, citada, pp. 204-205). A garantia da identidade genética, contudo, refere-se especialmente à intangibilidade do genoma e à unicidade da constituição genómica de cada um e tem essencialmente o sentido de impedir a manipulação genética do ser humano e a clonagem (João Loureiro, O Direito à Identidade Genética do Ser Humano, in Portugal-Brasil Ano 2000, «Studia Iuridica» 40, Coimbra, 1999, p. 288).» 75. O direito à identidade pessoal previsto no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição de pessoa nascida com recurso a técnicas de PMA heteróloga, na sua dimensão de direito ao conhecimento da sua ascendência genética, pode conflituar com o direito à privacidade e à reserva da intimidade da vida privada dos seus pais jurídicos, assim como com idêntico direito dos dadores, consagrados igualmente naquele artigo 26.º, n.º 1. Pode ainda afirmar-se que a opção pela regra do anonimato se baseia numa ideia de proteção da paz no seio da família, à luz do artigo 67.º, n.º 1, da Constituição, que estabelece uma obrigação estadual de criação de «todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros». Por último, haverá ainda quem sustente que um regime jurídico baseado no direito ao conhecimento das origens fará diminuir significati- vamente o número de dadores, comprometendo, desse modo, a criação de condições favoráveis ao desen- volvimento da PMA heteróloga e, por essa via, criando dificuldades para um interesse constitucionalmente relevante como é o da existência de famílias com filhos. 76. Na ponderação realizada pelo Acórdão n.º 101/09, foi atribuído um peso significativo ao risco de afetação da paz familiar e dos laços afetivos que ligam os membros de uma família, nomeadamente os pais e os filhos, considerando-se constitucionalmente legítima a criação de «condições para que sejam salvaguar- dadas a paz e a intimidade da vida familiar, sem interferência de terceiros dadores que, à partida, apenas pretenderam auxiliar a constituição da família». É claro que os dadores também estão abrangidos pela obrigação de sigilo absoluto estatuída no artigo 15.º, n.º 1, da LPMA. Mas, em boa verdade, os dadores nem sequer têm acesso aos dados relativos à PMA (cfr. o artigo 16.º da LPMA e os artigos 18.º, n.º 1, e 19.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 6/2016, de 29 de dezembro). E, de qualquer modo, a questão de inconstitucionalidade em análise não respeita ao interesse dos dadores conhecerem os beneficiários das suas doações e as pessoas nascidas em resultado da utilização do material genético que doaram. Inversamente, o problema reside na impossibilidade (ou grande dificuldade) destas pessoas conhecerem aqueles dadores, cujo material genético integra a sua constituição genómica. Por outro lado, no tocante às relações entre pais e filhos, à medida que os segundos se tornam mais autónomos até atingirem a idade de adultos, vai diminuindo a importância de um qualquer interesse dos pri- meiros na ocultação das circunstâncias em que aqueles foram concebidos. Aliás, a partir do momento em que o filho saiba ou tenha a suspeita de que nasceu em consequência de processos de PMA heteróloga e forme a vontade de clarificar as suas origens genéticas, a oposição dos pais a tal intenção é que poderá ameaçar a estabilidade dos laços afetivos entre estes e aqueles. Tendo conhecimento de ter nascido na sequência da utilização de técnicas de PMA heteróloga, não se vislumbra por que razão tal pessoa, já adulta, deva ficar menos ligada afetivamente aos seus pais jurídicos, a partir do momento em que também conheça a identidade dos dadores de gâmetas que foram essenciais para a formação da sua identidade genética. E mesmo que tal crise das relações afetivas ocorra, também não se vê porque há de o Estado interferir nela, privilegiando os pais que recorreram à PMA heteróloga em detrimento, do direito dos filhos nascidos na sequência da utilização de tais técnicas ao conhecimento da sua ascendência genética, e que, pretendendo exercê-lo por razões que se prendem com a sua própria auto-compreensão, a

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