TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
153 acórdão n.º 225/18 atualizada dos mesmos, interpretada à luz dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, também invocados pelos requerentes. Na esteira do que defendem Gomes Canotilho e Vital Moreira, o Tribunal tem entendido que o direito à identidade pessoal, consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, abrange, não apenas o direito ao nome, mas também o direito à historicidade pessoal, enquanto direito ao conhecimento da identidade dos progenitores, que poderá fundamentar, por exemplo, um direito à investigação da paternidade ou da mater- nidade, por forma a que todos os indivíduos tenham a possibilidade de estabelecer o seu próprio vínculo de filiação (vide Autores citados, Constituição… , citada, anot. II ao artigo 26.º, p. 462; e Acórdãos n. os 456/03, 157/05 e 101/09). No entanto, o Tribunal também reconhece a diferença existente entre o direito ao conhecimento da paternidade biológica e o direito ao estabelecimento do vínculo jurídico da filiação, enquanto dimensões autónomas do direito à identidade pessoal, consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição (sobre a men- cionada distinção, vide João Loureiro, “Filho(s) de um gâmeta menor? Procriação medicamente assistida heteróloga” in Lex Medicinae, Ano 3.º (2006), n.º 6, pp. 26 seguintes; e Rafael Vale e Reis, O direito ao conhecimento das origens genéticas, cit., pp. 108-109). Neste sentido, afirmou-se no Acórdão n.º 401/11: «A identidade pessoal consiste no conjunto de atributos e características que permitem individualizar cada pessoa na sociedade e que fazem com que cada indivíduo seja ele mesmo e não outro, diferente dos demais, isto é, “uma unidade individualizada que se diferencia de todas as outras pessoas por uma determinada vivência pessoal” (Jorge Miranda/Rui Medeiros, em Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, p. 609, da 2.ª edição, da Coimbra Editora). Este direito fundamental pode ser visto numa perspetiva estática – onde avultam a identificação gené- tica, a identificação física, o nome e a imagem – e numa perspetiva dinâmica – onde interessa cuidar da verdade biográfica e da relação do indivíduo com a sociedade ao longo do tempo. A ascendência assume especial importância no itinerário biográfico, uma vez que ela revela a identidade daqueles que contribuíram biologicamente para a formação do novo ser. O conhecimento dos progenitores é um dado importante no processo de autodefinição individual, pois essa informação permite ao indivíduo encontrar pontos de referência seguros de natureza genética, somática, afetiva ou fisiológica, revelando-lhe as origens do seu ser. É um dado importantíssimo na sua historicidade pessoal. Como expressivamente salienta Guilherme de Oliveira, «saber quem sou exige saber de onde venho» (em “Caducidade das ações de investi- gação”, ob. cit. , p. 51), podendo, por isso dizer-se que essa informação é um fator conformador da identidade própria, nuclearmente constitutivo da personalidade singular de cada indivíduo. Mas o estabelecimento jurídico dos vínculos da filiação, com todos os seus efeitos, conferindo ao indiví- duo o estatuto inerente à qualidade de filho de determinadas pessoas, assume igualmente um papel relevante na caracterização individualizadora duma pessoa na vida em sociedade. A ascendência funciona aqui como um dos elementos identificadores de cada pessoa como indivíduo singular. Ser filho de é algo que nos distin- gue e caracteriza perante os outros, pelo que o direito à identidade pessoal também compreende o direito ao estabelecimento jurídico da maternidade e da paternidade.» No sentido indicado, o direito à identidade pessoal, embora não consumido pelo direito ao desenvol- vimento da personalidade, tem uma estreita conexão com as diferentes dimensões deste último, designa- damente no que se refere à formação livre da personalidade ou liberdade de ação como «sujeito autónomo dotado de autodeterminação decisória», sem submissão a planificação ou imposição estatal de modelos de personalidade, e à proteção da integridade da pessoa, vista como garantia da esfera jurídico-pessoal no pro- cesso de desenvolvimento, ou seja, «proteção da liberdade de exteriorização da personalidade» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição… , cit., anot. IV ao artigo 26.º, pp. 463-464). Com efeito, ambas as dimensões assentam na individualidade da pessoa, assegurando-lhe um espaço para a sua dinamização, seja enquanto aprofundamento da consciência de si e autoafirmação, seja na sua relação com os outros.
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