TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
152 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL jurisprudencial, que pese todas as circunstâncias de cada caso concreto – não suscetíveis de consideração a priori pelas normas legais –, o direito à historicidade pessoal do indivíduo fruto de PMA heteróloga poderá sempre prevalecer, totalmente, sobre quaisquer outros direitos, quer dos pais, quer dos dadores, estando aberta a possibilidade de conhecimento da identidade destes últimos. Caberá, pois, a cada pessoa interrogar- -se sobre a sua própria identidade e dirigir-se, em caso de dúvida, aos competentes serviços de saúde ou ao CNPMA, junto dos quais poderá clarificar as circunstâncias que conduziram ao seu nascimento. Caber-lhe-á também recorrer aos tribunais, quando entenda ter razões ponderosas que justifiquem o acesso à identidade dos seus progenitores biológicos. Este dever de questionar a própria identidade não é, aliás, algo de novo, que tenha surgido apenas com a utilização das técnicas de PMA. Situação idêntica ocorria, já, quanto ao instituto da adoção, uma vez que também neste caso a lei não assegura ao adotado qualquer meio seguro de conhecer a sua condição. Com efeito, não existe um dever legal de os pais adotantes revelarem ao filho a adoção, sendo certo que, à luz do artigo 213.º, n.º 2, do Código de Registo Civil, «nas certidões de narrativa extraídas do registo de nascimento de filhos adotados plenamente, a filiação deve ser mencionada apenas mediante a indicação dos nomes dos pais adotivos». Segundo o n.º 3 do mesmo preceito, «a filiação natural do adotado só é mencionada nas certidões de narrativa extraídas do correspondente assento de nascimento se o requisitante expressamente o solicitar» (embora, seja sempre mencionada nas certidões destinadas a instruir processos de casamento). Assim, à semelhança do que se passa no caso da PMA heteróloga, e ressalvados os casos das certidões para efeitos de casamento – o que, todavia, representa uma diferença significativa, já que se se deci- dir casar, o adotado será necessariamente informado da sua filiação natural, contrariamente ao que acontece em relação à pessoa nascida em consequência de processos de PMA (cfr. o artigo 15.º, n.º 5, da LPMA) – o adotado só poderá tomar conhecimento da sua origem, não lhe tendo esta sido revelada, se se questionar e recorrer aos mecanismos legais à sua disposição. Desta forma, e tendo em conta os valores constitucionais levados em consideração, não se descortinam argumentos que possam sustentar a desconformidade da atual solução legislativa com o princípio da digni- dade da pessoa humana, uma vez que, não só inexiste qualquer instrumentalização degradante, como não decorre das normas questionadas uma compressão total do direito à identidade pessoal, que, anulando o seu conteúdo essencial, comportaria, necessariamente, uma intolerável violação da dignidade da pessoa humana. 73. É verdade que poderá parecer, à primeira vista, que assim também não haverá uma afetação incons- titucional daquele direito fundamental ou dos demais que, juntamente com ele, também são referidos pelos requerentes – os direitos ao desenvolvimento da personalidade e à identidade genética –, uma vez que não são totalmente separáveis os dois parâmetros, na presente análise. Todavia, existe uma importante diferença entre este juízo e a fiscalização da constitucionalidade das nor- mas aqui em causa com base apenas nos direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade e à identidade genética. Essa diferença reside no grau de intensidade da lesão que o regime jurídico ora em causa possa implicar. Uma ablação total da identidade pessoal – que se afasta pelas razões já indicadas – cor- responderia a uma violação da dignidade da pessoa humana. A sua inexistência não afasta, porém, a potencial violação do conteúdo dogmático específico dos direitos fundamentais mencionados. C.4.2. A regra do anonimato à luz dos direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade e à identidade genética 74. Afastada a inconstitucionalidade das normas questionadas, em virtude da violação do princípio da dignidade humana, cabe analisar se elas respeitam os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade e à identidade genética, previstos no artigo 26.º, n. os 1 e 3, da Constituição. Esta apre- ciação terá de efetuar-se tomando em consideração a densificação material de tais direitos, numa conceção
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