TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
151 acórdão n.º 225/18 Este direito tem uma ligação estreita com a dignidade da pessoa humana, sendo uma das suas expressões concretas: «A identidade pessoal é aquilo que caracteriza cada pessoa enquanto unidade individualizada que se diferencia de todas as outras pessoas por uma determinada vivência pessoal. Num sentido muito amplo, o direito à identidade pessoal abrange o direito de cada pessoa a viver em concordância consigo própria, sendo, em última análise, expres- são da liberdade de consciência projetada exteriormente em determinadas opções de vida. O direito à identidade pessoal postula um princípio de verdade pessoal. Ninguém deve ser obrigado a viver em discordância com aquilo que pessoal e identitariamente é.» (assim, v. Rui Medeiros e António Cortês in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição…, cit., anot. V ao artigo 26.º, p. 609). Recordando a abordagem que tem vindo a ser feita pela jurisprudência constitucional, os vínculos bio- lógicos – genéticos, epigenéticos e gestacionais –, sendo fundamentais para a auto-compreensão de cada um e para a construção da respetiva identidade, justamente porque integram a sua história pessoal, não definem o seu ser-pessoa: o que cada um é na sua realidade única e inconfundível, o mesmo é dizer, na sua identidade pessoal, vai muito para além de tais aspetos. Por isso, se afirmou no Acórdão n.º 101/09: «[a] imagem da pessoa que a Constituição supõe não é apenas a de um indivíduo vivendo isoladamente possuidor de um determinado código genético; a Constituição supõe uma imagem mais ampla da pessoa, supõe a pessoa inte- grada na realidade efetiva das suas relações familiares e humano-sociais». E, por isso, o direito à identidade pessoal tem um conteúdo heterogéneo, abrangendo vários tipos de faculdades (vide ibidem ). A regra do anonimato ora em análise reportada aos dadores e à gestante anula parcialmente a historici- dade pessoal de cada pessoa nascida nessas circunstâncias, mas, por si só, é insuficiente para a despersonalizar – tornando um certo indivíduo noutro que ele não é – ou para a forçar a viver uma verdade pessoal que não seja a sua, ainda que incompleta. Poderá afetar a consciência da sua própria identidade, suscitando dúvidas, interrogações ou crises; mas não a anula, tal como a mesma se foi manifestando ao longo da vida da pessoa e se continua a manifestar. Por isso, mesmo lesado num dos seus direitos fundamentais, nem por isso aquele que se vê impedido de conhecer as suas origens pode considerar-se degradado no seu ser-humano, inexis- tindo, por conseguinte, uma autónoma e específica violação da respetiva dignidade. 72. Em especial, no que se refere ao anonimato dos dadores, é de notar, ainda, que a LPMA não esta- belece uma regra absoluta. Na verdade, e conforme referido no Acórdão n.º 101/09, o artigo 15.º, n.º 4, daquele diploma prevê a possibilidade de ser conhecida pela pessoa nascida na sequência de utilização de técnicas de PMA heteróloga a identidade dos dadores de gâmetas, por razões ponderosas, reconhecidas por sentença judicial. Poderá, naturalmente, argumentar-se, que o processo judicial será demasiado moroso, revelando-se, em muitas situações da vida, um condicionamento excessivo ao exercício do direito à historicidade pessoal. Pode, ainda, alegar-se que todos os mecanismos postos ao dispor da pessoa nascida mediante o recurso a PMA pelas normas do artigo 15.º, n. os 2 a 4, resultam inúteis, devido ao sigilo imposto a todos aqueles que tenham tido conhecimento da utilização da PMA ou da identidade dos participantes no processo (artigo 15.º, n.º 1) e, bem assim, à omissão, no assento de nascimento, de qualquer indicação de que a pessoa nasceu na sequência de utilização de técnicas de PMA (artigo 15.º, n.º 5). Para poder exercer o direito legalmente reconhecido ao conhecimento de informações respeitantes à sua identidade pessoal, aquela pessoa tem, em primeiro lugar, de saber – e de poder saber – que foi concebida com recurso a tais técnicas. Todavia, nenhum destes argumentos invalida o facto – indesmentível – de a lei prever um equilíbrio entre os direitos constitucionais perspetivados pelo legislador como conflituantes. Assim, num primeiro momento, prevalece o direito dos pais (e dos dadores) à reserva de intimidade da vida privada, e procura-se assegurar a unidade da família. Todavia, o direito fundamental da pessoa nascida com recurso a PMA a conhecer a sua identidade não deixa de ser tutelado pela lei. Aliás, após um juízo
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