TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

150 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL não custa reconhecer que saber quem se é remete logo (pelo menos também) para saber quais são os antecedentes, onde estão as raízes familiares, geográficas e culturais, e também genéticas (cfr., aliás, também a referência a uma “identidade genética”, que o artigo 26.º, n.º 3, da Constituição considera constitucionalmente relevante). Tal aspeto da personalidade – a historicidade pessoal (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada […], falam justamente de um “direito à historicidade pessoal”) – implica, pois, a existência de meios legais para demonstração dos vínculos biológicos em causa […], bem como o reconhecimento jurídico desses vínculos. Deve, pois, dar-se por adquirida a consagração, na Constituição, como dimensão do direito à identidade pessoal, consagrado no artigo 26.º, n.º 1, de um direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da maternidade e da paternidade.» Voltando ao Acórdão n.º 101/09, o Tribunal procede, depois, às seguintes ponderações: «[O] direito a constituir família é certamente um fator a ponderar na admissibilidade subsidiária da procriação heteróloga. A partir do momento em que se admite uma modalidade de procriação medicamente assistida que pressupõe a doação de gâmetas por um terceiro, mal se compreenderia que se estabelecesse um regime legal a ela relativo que fosse tendente a afetar a paz familiar e os laços afetivos que ligam os seus membros. E, nestes termos, tendo-se já discutido a conformidade constitucional desta forma de procriação quando não seja medicamente possível outra […], não é de considerar como constitucionalmente inadmissível que o legislador crie as condições para que sejam salvaguardadas a paz e a intimidade da vida familiar, sem interferência de terceiros dadores que, à partida, apenas pretenderam auxiliar a constituição da família. Cabe, em todo o caso, sublinhar que o regime legal de não revelação da identidade dos dadores não é fechado. O Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida possui a informação sobre a identidade dos dadores e poderá prestá-la nos termos e com os limites previstos no artigo 15.º, quer fornecendo dados de natureza genética, quer identificando situações de impedimento matrimonial, e sem excluir a possibilidade de identificação do dador quando seja proferida decisão judicial que verifique a existência de razões ponderosas que tornem justificável essa revelação [artigo 30.º, n.º 2, alínea i) ]. Além disso, as razões ponderosas a que se refere o artigo 15.º, n.º 4, da Lei n.º 32/2006, não poderão deixar de ser consideradas à luz do direito à identidade pessoal e do direito ao desen- volvimento da personalidade de que fala o artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República, que, nesses termos, poderão merecer prevalência na apreciação do caso concreto. Contrariamente ainda ao que vem alegado no pedido, por tudo o que se deixou exposto, não há também qual- quer violação do princípio da igualdade, em relação às pessoas nascidas a partir da utilização de técnicas de PMA. Não obstante o dever de sigilo que impende sobre os intervenientes no processo, essas pessoas podem aceder a todos os dados de informação relativos aos seus antecedentes genéticos e só a informação referente à própria iden- tidade do dador é que está dependente de prévia autorização judicial. No entanto, essa limitação ao conhecimento da progenitura (ainda que de caráter não absoluto) mostra-se justificada, como se deixou entrever, pela necessidade de preservação de outros valores constitucionalmente tutelados, pelo que nunca poderá ser entendida como uma discriminação arbitrária suscetível de pôr em causa o principio da igualdade entre cidadãos. Em todo este contexto, a opção seguida pelo legislador, ao estabelecer um regime mitigado de anonimato dos dadores, não merece censura constitucional.» C.4. Apreciação dos fundamentos invocados pelos requerentes C.4.1. A regra do anonimato à luz do princípio da dignidade da pessoa humana 71. Os requerentes sustentam que a regra do anonimato dos dadores e da gestante de substituição seria contrária ao princípio da dignidade da pessoa humana. Tal alegação afigura-se, contudo, insustentável, tendo em conta a amplitude do direito à identidade pessoal.

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