TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
149 acórdão n.º 225/18 da ilimitada receção à averiguação da verdade biológica da filiação (...) possam intervir na ponderação dos interesses em causa, como que comprimindo a revelação da verdade biológica”. […] Chegados a este ponto, será necessário relembrar que o artigo 15.º da Lei n.º 32/2006 não estabelece uma regra definitiva de anonimato dos dadores, mas apenas uma regra prima facie , que admite exceções expressamente previs- tas. Na verdade, embora os intervenientes no procedimento se encontrem sujeitos a um dever de sigilo, as pessoas nascidas na sequência da utilização de técnicas de PMA com recurso a dádiva de gâmetas ou embriões podem, junto dos competentes serviços de saúde, obter as informações de natureza genética que lhes digam respeito (n.º 2), bem como informação sobre eventual existência de impedimento legal a um projetado casamento (n.º 3), além de que podem obter informações sobre a identidade dos dadores de gâmetas quando se verifiquem razões ponderosas, reconhecidas por sentença judicial (n.º 4). A questão que se coloca não é pois a de saber se seria constitucional um regime legal de total anonimato do dador, mas antes se é constitucional estabelecer, como regra, o anonimato dos dadores e, como exceção, a possibi- lidade de conhecimento da sua identidade. Deste modo, [não está em causa a própria] existência de um direito ao conhecimento das origens genéticas, [mas tão-só] o peso relativo que tal direito merece e a importância que lhe é dada pela lei no regime que concreta- mente instituiu» (itálicos adicionados). Seguidamente, o Tribunal analisa a solução legal em termos de equilíbrio ou de concordância prática entre os diferentes direitos em jogo. Começa por analisar o direito à identidade pessoal: «[A] identidade pessoal é um conceito referido à pessoa que se constrói ao longo da vida em vista das relações que nela se estabelecem, sendo que os vínculos biológicos são apenas um aspeto dessa realidade. E nesse sentido, a história pessoal de cada um é também a história das relações que vivenciou com os outros, de tal modo que – pode dizer-se – não é possível isolar a vida de uma pessoa da vida daquelas com quem familiarmente conviveu desde a nascença (João Loureiro, O Direito à Identidade Genética do Ser Humano, citado, p. 292). A imagem da pessoa que a Constituição supõe não é apenas a de um indivíduo vivendo isoladamente possuidor de um determinado código genético; a Constituição supõe uma imagem mais ampla da pessoa, supõe a pessoa inte- grada na realidade efetiva das suas relações familiares e humano-sociais. Deste modo, o direito à identidade pessoal, poderá dizer-se, possui, até certo ponto, um conteúdo heterogéneo: ele abrange diferentes tipos de faculdades, e o seu domínio de proteção não é absolutamente uniforme, admitindo-se nele diferentes intensidades em função do tipo de situação que esteja em causa […]. Assim sendo, as posições jurídicas contidas no direito à identidade pessoal, como seja o direito ao conheci- mento das origens genéticas, não têm necessariamente uma força jurídico-constitucional uniforme e totalmente independente dos diferentes contextos em que efetivamente se desenvolve essa identidade pessoal. O reconheci- mento de um direito ao conhecimento das origens genéticas não impede, pois, que o legislador possa modelar o exercício de um tal direito em função de outros interesses ou valores constitucionalmente tutelados que possam refletir-se no conceito mais amplo de identidade pessoal.» Recorde-se que, no já mencionado Acórdão n.º 23/06, o Tribunal havia caracterizado o direito fun- damental em apreço, sem prejuízo da admissão de « que outros valores, para além “da ilimitada receção à averiguação da verdade biológica da filiação – como os relativos à certeza e à segurança jurídicas, possam intervir na ponderação dos interesses em causa”, como que “comprimindo a revelação da verdade biológica”», nestes termos: «[O] direito à identidade pessoal inclui, não apenas o interesse na identificação pessoal (na não confundibili- dade com os outros) e na constituição daquela identidade, como também, enquanto pressuposto para esta autode- finição, o direito ao conhecimento das próprias raízes. Mesmo sem compromisso com quaisquer determinismos,
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