TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

148 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por outro lado, há que ter em conta a possibilidade de ocorrência, a médio ou longo prazo, de consequências gravosas para o casal e/ou para a pessoa nascida; só estudos sistemáticos e fiáveis permitirão tirar conclusões a tal respeito. Aliás, o anonimato do dador e a não revelação pelos casais, aos filhos assim gerados, do modo da sua con- ceção, é uma das questões mais debatidas internacionalmente a respeito da PMA heteróloga. E não colhe o argumento de que o reconhecimento deste direito levará à inexistência de dadores de sémen. Não só porque, face ao que está em causa, isso ser razão subalterna, como porque a experiência sueca demonstra o contrário: passados alguns anos de declínio (a regulamentação é de 1985) os dadores têm aumentado e são de outra qualidade ética, isto é, são autenticamente “dadores”» (p. 4). Esta posição foi substancialmente reiterada em posteriores intervenções do Conselho, designadamente no Parecer n.º 44/CNECV/2004: «10. No caso de PMA com recurso a dador de gâmetas, deverá ser salvaguardada a possibilidade de identifica- ção do dador, a pedido do seu filho biológico e a partir da maioridade legal deste, no reconhecimento ao direito do próprio à identidade pessoal e biológica. A informação genética relevante para a saúde do filho biológico e não identificável do dador deverá manter-se permanentemente disponível, podendo ser solicitada, antes da maioridade do filho biológico, pelos representantes legais deste. 11. O conhecimento da identidade do dador de gâmetas não poderá implicar, por parte do filho biológico, a reivindicação de quaisquer direitos em relação àquele ou de deveres daquele para com o próprio.» C.3.3.3. A jurisprudência do Tribunal Constitucional 70. O Tribunal Constitucional também já teve oportunidade de se pronunciar sobre a regra do anoni- mato dos dadores. Com efeito, no processo objeto do Acórdão n.º 101/09, foi questionada a constitucionali- dade das normas do artigo 15.º, n. os 1 a 4, conjugadas com as normas do artigo 10.º, n. os 1 e 2, na medida em que negam à pessoa nascida com recurso à procriação heteróloga a hipótese de conhecer os seus antecedentes médicos. Sustentava-se no pedido que a pessoa concebida através de técnicas de PMA não tem possibilidade de o saber, por virtude do dever de sigilo que é imposto por lei a todos os participantes no processo, o que a coloca numa situação de desigualdade em relação a quaisquer outros cidadãos. Depois de referir os dados de direito comparado e as diferentes posições doutrinais, o Tribunal conside- rou no citado aresto: «Do ponto de vista jurídico-constitucional estão aqui em tensão diferentes direitos fundamentais. Por um lado, o direito fundamental da pessoa nascida de PMA à identidade pessoal, do qual parece decorrer um direito ao conhecimento da sua ascendência genética (artigos 26.º, n. os 1 e 3, da Constituição), e, por outro, o direito a constituir família e o direito à intimidade da vida privada e familiar (previstos, respetivamente, nos artigos 36.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, da Constituição. A questão deve ser colocada nestes termos, uma vez que a possibilidade de conhecimento da identidade dos dadores de gâmetas e/ou embriões não implica o reconhecimento de qualquer vínculo legal de ordem filial, como expressamente decorre do disposto no artigo 10.º, n.º 2, onde se refere: “(o)s dadores de gâmetas não podem ser havidos como progenitores da criança que vai nascer”. […] Este mesmo princípio [– o de uma solução de equilíbrio em que se tenha em linha de conta outros interesses ou valores conflituantes com o direito ao conhecimento das origens genéticas –] foi afirmado pelo Tribunal Consti- tucional quando teve oportunidade de se pronunciar acerca do direito ao conhecimento da maternidade e paterni- dade biológicas, enquanto dimensão do direito à identidade pessoal, a propósito de questão da constitucionalidade do prazo máximo de dois anos após a maioridade para propor ação de investigação de paternidade. A esse respeito, o Acórdão n.º 23/06 fez notar que o direito à identidade pessoal, na sua dimensão de historicidade pessoal, implica a existência de meios legais para demonstração dos vínculos biológicos, mas admitiu que “outros valores, para além

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=