TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
147 acórdão n.º 225/18 a de optar, como ponto de partida, pela regra da admissibilidade do conhecimento da identidade do dador, limitando-a apenas nos casos, reconhecidos por decisão judicial, em que outros valores (como a proteção dos núcleos familiares estabelecidos ou a integridade psíquica do dador) devessem ser tidos como prevalecentes no caso concreto. Partindo desta base, o mesmo Autor considera expressamente que, nas hipóteses de ges- tação de substituição com recurso à dação de gâmetas por parte de terceiros, o filho deveria poder em regra conhecer a identidade do terceiro dador que lhe forneceu o material genético. Igualmente nesta linha, Paula Martinho da Silva e Marta Costa notam que a evolução recente da legisla- ção europeia nesta matéria demonstra que este princípio tem vindo a ser reavaliado à luz da defesa dos inte- resses da criança nascida através de técnicas de PMA, entendendo, por isso, que, de iure condendo , o princípio do anonimato do dador deverá ser mitigado, ou mesmo abolido, com opções legislativas que permitam um nível de conhecimento das origens genéticas e mesmo da sua identificação (vide A Lei da Procriação Medica- mente Assistida Anotada, Coleção PLMJ, Coimbra Editora, Coimbra, 2011). Gomes Canotilho e Vital Moreira consideram que o direito à identidade pessoal – que garante «aquilo que identifica cada pessoa como indivíduo, singular e irredutível – abrange seguramente um direito à his- toricidade pessoal, entendido como «direito ao conhecimento da identidade dos progenitores»; todavia, manifestam dúvidas sobre se este direito «implica necessariamente um direito ao conhecimento da proge- nitura, [uma vez que tal entendimento levantaria] dificuldades no caso do regime tradicional da adoção e, também, mais recentemente, nos casos de inseminação artificial heteróloga e das “mães de aluguer”» (vide Autores cits., Constituição… , cit., anot. II ao artigo 26.º, p. 462). Por seu lado, Rui Medeiros e António Cortês, reconhecendo embora que o artigo 15.º da LPMA estabelece um sistema de anonimato, entendem que a solução do n.º 4 desse preceito – que prevê a possibilidade de a regra do anonimato ser judicialmente quebrada quando se verifiquem «razões ponderosas» – deverá merecer uma interpretação conforme ao direito fundamental ao conhecimento das origens genéticas, «não podendo legitimar leituras que sejam excessiva e injustificadamente restritivas da possibilidade de revelação da identidade do dador ou da dadora (sem que tal tenha, como é óbvio, quaisquer consequências ao nível de relações de filiação […])» (vide Autores cits. in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição… , cit., anot. VIII ao artigo 26.º, pp. 610-611). C.3.3.2 A posição do CNECV 69. O CNECV pronunciou-se já por diversas vezes sobre o direito ao conhecimento da identidade dos dadores de gâmetas. No Parecer n.º 23/CNECV/98, sobre um projeto de proposta de lei relativo à PMA, aquele Conselho afirma, para a hipótese de «a dádiva de sémen [vir] a ser legalizada», o «reconhecimento inequívoco, e sem quaisquer restrições, do direito das pessoas geradas em consequência de dádiva de sémen terem acesso à identificação do dador» [ponto 3, alínea c) , p. 16]. Esta posição é justificada no relatório, ela- borado pelo Conselheiro Joaquim Pinto Machado, anexo ao Parecer em causa, nos termos seguintes: «É certo que se admite [no projeto então em análise] que as pessoas assim nascidas “poderão” obter o conheci- mento da identidade do dador, mas só “por razões ponderosas reconhecidas por sentença judicial” (n.º 3 do art.º 12.º). Mas esta disposição apenas abre uma possibilidade, que até parece excecional, cuja satisfação depende de critérios indefinidos: o querer saber quem é o progenitor “genético” não será, por si só, razão ponderosa? O conhecimento da identidade dos progenitores faz parte da historicidade pessoal e, portanto, da identidade própria e singular, pelo que a ninguém deve ser negado o acesso a esse conhecimento; à instância judicial cabe assegurá-lo, nunca avaliar da sua legitimidade. Aliás, o primeiro dos direitos reconhecidos no n.º 1 do art.º 26.º da Constituição da República Portuguesa é precisamente o da “identidade pessoal”. Este direito de cada um conhecer quem são os seus progenitores é reco- nhecido na Alemanha, Áustria, Suécia e Suíça (pelo menos). E no preâmbulo da resolução sobre fertilização in vitro e in vivo do Parlamento Europeu, de 1989, inclui-se, entre os direitos do filho a salvaguardar, o “direito a uma identidade genética”.
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