TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

146 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Paulo Otero entende que «o direito à identidade pessoal envolve um direito à historicidade pessoal, expresso na relação de cada pessoa com aquelas que (mediata ou imediatamente) lhe deram origem» (vide Personalidade e Identidade Pessoal e Genética do Ser Humano: um perfil constitucional da bioética, Almedina, 1999, pp. 71 e seguintes). Deste direito, retira o Autor importantes conclusões, com relevância direta para a questão ora em análise. Em primeiro lugar, defende que tal direito implica o direito de cada ser humano a conhecer a forma como foi gerado e, mais amplamente, o direito a conhecer o seu património genético. Nestes termos, sus- tenta a inconstitucionalidade de qualquer «sistema normativo de segredo que vede ao interessado a possibi- lidade de conhecer a forma como foi gerado ou o respetivo património genético». Do mesmo modo, rejeita a existência de quaisquer interesses ou direitos de pessoas intervenientes no processo – designadamente o direito à intimidade pessoal e familiar dos dadores – que «possam impedir alguém de conhecer a respetiva origem e património genético». Em segundo lugar, o mesmo Autor defende que o direito à historicidade pessoal compreende ainda «o concreto direito de cada ser humano a conhecer a identidade dos seus progenitores», facto que implica a inconstitucionalidade de «qualquer regra de anonimato do dador de material genético». Tiago Duarte salientou a introdução, em 1997, por parte do legislador constituinte, de um n.º 3 no artigo 26.º, tornando clara a necessidade de não se obnubilar a identidade genética do ser humano na uti- lização de quaisquer tecnologias e de experiências científicas, técnicas de PMA incluídas (cfr. In Vitro Veri- tas? A Procriação Medicamente Assistida na Constituição e na Lei, Almedina, Coimbra, 2003). Segundo este Autor, «o que a Constituição deixou de permitir, se é que alguma vez o permitiu, é a obstrução a que cada pessoa procure e conheça aqueles que transmitiram os genes e que, deste modo, lhes formam a identidade. Quer a lei os considere pais ou meros dadores, por mais que a lei queira, e razoavelmente procure, apartar- -lhes responsabilidades, essas pessoas fazem parte da história e da identidade genética daquele a quem, um dia, deram origem». Por conseguinte, o mesmo Autor defende a inconstitucionalidade de qualquer norma legal que estabeleça a possibilidade de anonimato dos dadores de esperma, de ovócitos ou de embriões em sede de inseminação artificial heteróloga, fecundação in vitro , transferência de embriões ou maternidade de substituição. No mesmo sentido fundamental, Pamplona Corte-Real afirma que a regra de subsidiariedade de aplicação das técnicas de PMA, circunscritas às situações de infertilidade, pode «justificar […] uma inter- pretação ampla do direito à identidade pessoal de qualquer indivíduo artificialmente procriado, embora com a inerente negação de qualquer vínculo familiar decorrente da doação de gâmetas, apenas medicamente sig- nificante» (vide “Os efeitos familiares e sucessórios da procriação medicamente assistida” in Estudos de Direito da Bioética, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 93 e seguintes, p. 100). Já Guilherme de Oliveira não adota uma posição definitiva, sustentando que qualquer das soluções (regra do anonimato ou regra do conhecimento da identidade dos dadores) «se apoia na defesa de valores ponderosos, respetivamente, na defesa da paz da família e na defesa da verdade acerca da ascendência bio- lógica. O anonimato do dador parece exprimir bem a irrelevância da sua identidade e do seu papel social no processo da fecundação; porém, a ocultação da verdade biológica parece contrariar [...] a relevância dos conhecimentos das ciências biológicas, [assim como] o culto da verdade nas sociedades em que o problema da inseminação heteróloga se põe» (vide “Aspectos Jurídicos da Procriação Assistida”, in Temas de Direito da Medicina , 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pp. 5 e seguintes, p. 18). 68. Numa análise diretamente dedicada à questão da constitucionalidade das normas ora em apre- ciação, Rafael Vale e Reis sustenta que o artigo 15.º da LPMA opera uma restrição material ao direito ao conhecimento das origens genéticas, ofendendo o respetivo conteúdo essencial, em benefício da tutela do sistema médico de combate à infertilidade humana, da reserva da intimidade da vida privada dos dadores e dos seus núcleos familiares estabelecidos (cfr. O Direito ao Conhecimento das Origens Genéticas, Coimbra Editora, Coimbra, 2008). Por isso, o Autor defende que a solução adotada pelo legislador deveria ter sido precisamente a inversa, em nome da tutela do direito fundamental ao conhecimento das origens genéticas:

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