TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
142 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL elencados pelo Estado francês como razões fundantes do regime jurídico em causa. O TEDH concluiu, assim, numa decisão que mereceu inúmeros reparos e várias declarações de voto discordantes no próprio Acórdão, que, embora invulgar em termos comparados, a legislação francesa não excedera a margem de apreciação que deve ser reconhecida em matérias de grande complexidade e sensibilidade, como é o caso do direito ao conhecimento das próprias origens. No acórdão de 13 de julho de 2006, Jäggi c. Switzerland (Queixa n.º 58757/00), o TEDH esclarece que a ampla margem de apreciação dos Estados não depende unicamente dos direitos fundamentais em con- fronto numa situação concreta, mas também, para cada um destes direitos, da natureza específica das preten- sões em causa. No caso do direito à identidade, o TEDH reitera que este faz parte integrante do conceito de vida privada e inclui necessariamente o direito a conhecer a própria ascendência. In casu , o tribunal admitiu que a necessidade de proteger terceiros pode implicar a exclusão da possibilidade de realizar determinados procedimentos, como é o caso dos testes de ADN em vista do estabelecimento da paternidade, mas deve haver um justo equilíbrio, resultante da ponderação entre os interesses concorrentes. Esta linha de orientação tem prevalecido também no que toca à existência de prazos-limite para a instauração de ações de reconhecimento da paternidade. A existência de um termo final, só por si, não é considerada violadora da Convenção, importando verificar se a natureza, duração e características do prazo resultam num justo equilíbrio entre o interesse do investigante em ver esclarecido um aspeto importante da sua identidade pessoal, o interesse do investigado e da sua família mais próxima em serem protegidos de demandas respeitantes a factos da sua vida íntima ocorridos há já muito tempo, e o interesse público da estabilidade das relações jurídicas. Neste discurso é realçado que o direito ao respeito da vida privada e familiar não assiste apenas à pessoa que pretende saber quem são os seus pais e estabelecer o respetivo vínculo jurídico, mas também protege os investigados e suas famílias, cuja tutela não pode deixar de ser considerada, importando harmonizar os interesses opostos. Neste sentido pronunciaram-se os acórdãos de 6 de julho de 2010, casos Backlund c. Finlândia (Queixa n.º 36498/05) e Gronmark c. Finlândia (Queixa n.º 17038/04), e de 20 de dezembro de 2007, caso Phinikaridou c. Chipre (Queixa n.º 23890/02), nos quais estava em causa a existência de prazos limite para a instauração de ações de reconhecimento da paternidade. C.3.2. O anonimato dos dadores e o direito ao conhecimento das origens genéticas no direito comparado 61. A questão do anonimato dos dadores e do direito das crianças que nasceram com recurso a técnicas de PMA, designadamente, com recurso a doação de gâmetas ou a gestação de substituição, a conhecerem a identidade dos seus progenitores genéticos ou da gestante é um tema controverso e fortemente debatido no plano comparado, tendo as soluções jurídicas concretas sofrido notória evolução na última década. Assim, as disposições legais sobre esta questão em cada ordenamento nacional são significativamente distintas, por vezes opostas, mesmo no quadro de um conjunto de países com fortes semelhanças e um con- junto de valores jurídico-constitucionais partilhados, como é o caso dos Estados-Membros da União Euro- peia. Se vários países consagram ainda a regra do anonimato dos dadores, é, todavia, inegável uma tendência no sentido de garantir o direito a conhecer as próprias origens, criando exceções importantes ou abolindo totalmente o estatuto de anonimato dos dadores. Nesse sentido, já apontava, de resto, a Resolução do Parlamento Europeu sobre fecundação artificial in vivo e in vitro , de 16 de março de 1989, mencionada pelos requerentes (cfr. o respetivo n.º 10, 3.º e 4.º travessões: apesar de se considerar indesejável aquele tipo de fecundação, entende-se que, no caso de a mesma ser aceite por um Estado-Membro, será necessário respeitar, entre outros, os seguintes requisitos: (i) «consen- timento dos casais devidamente informados e comprovação da sua idoneidade, sendo aplicado, por analogia, o previsto nas respetivas leis referentes à adoção, incluindo o que diz respeito ao anonimato do dador»; e (ii) «proibição de desconhecimento de paternidade em caso de inseminação artificial da parte de um dador» – cfr. JOCE N.º C 96/171, de 17 de abril de 1989).
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