TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
141 acórdão n.º 225/18 a nacionalidade, o nome e relações familiares, nos termos da lei, sem ingerência ilegal» (itálico aditado). O n.º 2 deste artigo acrescenta, por seu turno, que «no caso de uma criança ser ilegalmente privada de todos os elementos constitutivos da sua identidade ou de alguns deles, os Estados Partes devem assegurar-lhe assis- tência e proteção adequadas, de forma que a sua identidade seja restabelecida o mais rapidamente possível». O artigo 8.º em apreço é bastante inovador e significativo no presente caso. Resulta de uma proposta da Argentina, que pretendia consagrar uma disposição normativa que permitisse sustentar os pedidos de inves- tigação da verdadeira identidade de crianças filhas de desaparecidos durante as décadas de 1970 e 1980. A referência feita pela norma às «relações familiares» é, também ela, usualmente interpretada em sentido lato, incluindo as origens biológicas ou genéticas. Contudo, é necessário ter em conta que a disposição em análise não define, em termos rigorosos, o conceito de identidade, limitando-se a dar exemplos, não taxativos, de elementos dela constitutivos, que decorreriam, de qualquer forma, do artigo 7.º do tratado. A densificação plena do termo terá de remeter-se, assim, para os planos dogmático e jurisprudencial. 60. Relativamente à questão do anonimato dos dadores, também assume especial importância o dis- posto no artigo 8.º, n.º 1, da CEDH, uma vez que o TEDH tem considerado o direito ao conhecimento das origens genéticas como elemento integrante, e essencial, do direito ao respeito pela vida privada e familiar. Contudo, o Tribunal não considera aquele direito como absoluto, admitindo que o mesmo possa ter de ser compatibilizado com outros interesses fundamentais. É, assim, de assinalar, desde logo, o acórdão de 7 de julho de 1989, Gaskin c. United Kingdom (Queixa n.º 10454/83). OTEDH decidiu que o recorrente, a quem as autoridades britânicas haviam negado o acesso total aos registos relativos ao período em que aquele estivera sob tutela estadual, enquanto menor, tinha, efe- tivamente, o direito de acesso a esses mesmos registos. OTribunal recordou que, ainda que o objeto principal do artigo 8.º seja a proteção do indivíduo contra uma interferência arbitrária das autoridades públicas, pode, além disso, implicar obrigações positivas inerentes a um respeito efetivo pela vida familiar. Nestes termos, afirmou que tal direito implica que cada pessoa seja capaz de estabelecer os detalhes da sua identidade como ser humano e que, em princípio, não seja impedida pelas autoridades de obter informações básicas sem uma justificação válida, concluindo que os cidadãos têm um interesse vital, protegido pela Convenção, em receber toda a informação necessária para conhecer e compreender a sua infância e desenvolvimento. Também relevante é o acórdão de 7 de fevereiro de 2002, Mikulic c. Croatia (Queixa n.º 53176/99), em que a requerente alegou a violação do artigo 8.º da CEDH devido à demora no processo de averiguação da sua paternidade, atenta a inexistência, no sistema jurídico croata, de mecanismo para obrigar à realização compulsiva de testes de ADN por parte do alegado pai. OTEDH reconheceu que a interessada fora mantida num estado de prolongada incerteza acerca da sua própria identidade, em virtude da ineficiência dos tribu- nais nacionais, sendo esta situação, naturalmente, uma violação do direito a receber informação necessária acerca dos aspetos fundamentais da identidade pessoal. O facto de se admitir a possibilidade de impedir a realização de quaisquer testes médicos, incluindo testes de ADN, para proteger interesses relevantes de terceiras pessoas, não impediu, todavia, o Tribunal de considerar que a falta de solução jurídica adequada e definitiva para o caso comportava uma violação do artigo 8.º da CEDH, na dimensão do direito à identidade pessoal. No acórdão de 13 de fevereiro de 2003, Odièvre c. France (Queixa n.º 42326/98), estava em causa a compatibilidade com a CEDH do regime jurídico francês, que protege a possibilidade de maternidade sob anonimato. Alegou o TEDH, numa argumentação que pode relevar para a ponderação entre os direitos constitucionais ora em causa, que a legislação francesa procurava estabelecer um equilíbrio e conferir prote- ção suficiente a interesses em conflito. De um lado, o direito a obter informações sobre as origens, a fim de poder construir a própria história pessoal, conhecendo as escolhas dos pais biológicos e adotantes e os laços familiares e genéticos existentes. Do outro, os interesses públicos na proteção da mãe e da criança durante a gravidez e parto, e no combate ao aborto, em especial ao aborto clandestino, e ao abandono de menores,
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