TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

140 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL referentes à identidade do próprio interessado de que o Estado já dispõe, sendo este, por isso, o destinatário imediato daquela pretensão, e não apenas o garante de uma pretensão cuja satisfação cabe primariamente a um outro particular. C.3. A apreciação dos interesses fundamentais em conflito 58. Apesar de imediatamente dirigida contra o Estado, a pretensão de quem nasceu na sequência da utilização de técnicas de PMA heteróloga conhecer as suas origens genéticas (e, mais amplamente, as circuns- tâncias em que se deu a sua conceção, gestação e nascimento) pode conflituar com o interesse na manutenção da paz e tranquilidade da família em que o mesmo atualmente se integra, assim como com a pretensão de manter o anonimato por parte de quem tenha doado material genético ou de quem tenha sido gestante de substituição. As soluções encontradas são muito diversas, existindo, entre muitos, regimes jurídicos que asseguram o total anonimato dos dadores e outros que preveem o registo da sua identidade, com a possibilidade de esta ser revelada aos indivíduos nascidos com recurso aos gâmetas ou embriões doados, a seu pedido, após a maioridade. Existem, por outro lado, argumentos válidos na base dos diferentes interesses em presença. De um lado, invoca-se o interesse dos pais em nada contar. Durante muito tempo, prevaleceu a ideia da necessidade de proteger a intimidade da vida privada e familiar. Além disso, argumenta-se, o anonimato encoraja a doação de gâmetas e é uma garantia para os pais da impossibilidade de o dador reclamar quaisquer direitos sobre o filho biológico. Ademais, a revelação da identidade dos dadores de gâmetas poderia condu- zir ao surgimento de relações de paternidade e maternidade despidas de um projeto real de assunção dessas mesmas relações, o que seria uma situação a evitar. Por fim, sustenta-se ainda que a regra do anonimato dos dadores é um elemento essencial para assegurar a existência de dadores e, consequentemente, a própria via- bilidade da PMA heteróloga. Do outro lado, defende-se o direito da pessoa a conhecer a sua história e a sua identidade, sendo a origem biológica e genética uma parte importante dessa mesma identidade. Com a mudança das conceções sociais e uma maior aceitação do recurso aos tratamentos de infertilidade, o interesse dos pais em guardar segredo sobre o recurso à PMA começa, agora, a dar lugar a uma maior atenção aos direitos da pessoa nascida na sequência da utilização de técnicas de PMA. Disso mesmo é exemplo a evolução de várias ordens jurídicas, no sentido de uma progressiva abertura à tutela do direito ao conhecimento das próprias origens, e até ao abandono, por completo, da regra do anonimato dos dadores. Seguindo a metódica mais adequada à natureza dos problemas em causa e dos parâmetros de controlo mobilizados pelos requerentes (cfr. supra o n.º 6), é conveniente alargar a perspetiva, tomando em conside- ração o direito internacional e o direito comparado e, tendo em conta tais dados, analisar o modo como tem sido equacionado o problema suscitado pelo artigo 15.º da LPMA. C.3.1. O anonimato dos dadores e o direito ao conhecimento das origens genéticas no direito internacional 59. Cumpre começar por salientar a relevância das disposições da Convenção sobre os Direitos da Criança – o primeiro tratado a conter uma previsão explícita do direito não apenas do adulto, mas de todas as pessoas, mesmo menores, a conhecer as suas origens. São de particular importância, neste plano, o artigo 7.º, n.º 1, que estatui um direito subjetivo a conhecer a ascendência biológica: «a criança é registada imedia- tamente após o nascimento e tem desde o nascimento o direito a um nome, o direito a adquirir uma nacio- nalidade e, sempre que possível, o direito de conhecer os seus pais e de ser educada por eles» (itálico aditado), acrescentado o n.º 2 que «os Estados Partes garantem a realização destes direitos de harmonia com a legis- lação nacional e as obrigações decorrentes dos instrumentos jurídicos»; e, ainda, o artigo 8.º, que consagra, no n.º 1, uma obrigação estadual de «respeitar o direito da criança e a preservar a sua identidade , incluindo

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