TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

139 acórdão n.º 225/18 Assim, de uma eventual declaração de inconstitucionalidade deverá resultar a eliminação da obrigação de sigilo absoluto constante do n.º 1 do artigo 15.º, relativamente a quem nasceu em consequência de pro- cessos de PMA, incluindo nas situações de gestação de substituição – e, desse modo, afastando também a impossibilidade absoluta de acesso à identidade da gestante de substituição por parte da pessoa nascida com recurso à gestação de substituição –, e a consequente eliminação da necessidade de apresentação de «razões ponderosas» para que o interessado possa ter acesso à identidade dos dadores atualmente prevista no n.º 4 daquele preceito. Verificando-se aquela eventualidade, será conveniente uma intervenção legislativa destinada não apenas a eliminar as contradições sistémicas que podem resultar da combinação da permanência em vigor do artigo 15.º, n. os 2 e 3, com os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, mas também a regular os termos em que os interessados poderão aceder às informações necessárias ao conhecimento das suas origens. C.2. O regime de acesso ao conhecimento das origens em vigor 56. Além do que até agora se afirmou, é imperativo compreender adequadamente o regime jurídico defi- nido nas normas do artigo 15.º da LPMA. Na realidade, a obrigação de sigilo absoluto prevista no seu n.º 1 é derrogada nos números seguintes relativamente a certas entidades e quanto a determinadas informações, reconhecendo-se ao interessado o acesso às mesmas. Assim, segundo o n.º 2, a pessoa nascida na sequência da utilização de técnicas de PMA heteróloga – é esse necessariamente o caso de quem tenha nascido na sequência da celebração de um contrato de gesta- ção de substituição (cfr. supra o n.º 8) – pode aceder a informações de natureza genética – o que à partida exclui informações relacionadas com a gestante de substituição – que lhe digam respeito, junto dos serviços de saúde. De igual modo, permite-se, de acordo com o n.º 3, a esses indivíduos assegurar a inexistência de impedimento legal a casamento projetado, através de consulta ao CNPMA. Em ambos os casos, a lei exclui apenas o conhecimento da identidade do dador, exceto, nos termos do n.º 3, «se este expressamente o per- mitir», ou se, apesar da inexistência de tal consentimento, o interessado demonstrar, de acordo com o n.º 4, «razões ponderosas reconhecidas por sentença judicial» para a sua pretensão. Deste modo, as pessoas cujo nascimento tenha sido fruto de procriação heteróloga têm, no atual quadro legislativo, o direito a conhecer toda a sua história clínica e informação genética relevante. As mesmas não ficam, por exemplo, impossibilitadas de recorrer à medicina preventiva, nem dependentes de uma sentença judicial para o efeito. Como se viu, as informações sobre a história genética e sobre a existência de consan- guinidade com o futuro cônjuge obtêm-se com uma consulta aos serviços competentes, não estando depen- dentes de qualquer processo judicial. Por outro lado, é importante recordar que a lei proíbe, em qualquer caso, que a criança seja gerada com recurso aos gâmetas da mulher que procede à gestação (cfr. o n.º 3 do artigo 8.º da LPMA). Isto significa que a gestante nunca poderá ser a dadora do material genético da criança e, nessa medida, a questão do conhecimento da identidade da gestante não é suscetível de ser enquadrada no âmbito do direito ao conheci- mento das origens genéticas (podendo, ao invés, ser eventualmente enquadrada no âmbito de outros direitos, nomeadamente do direito à identidade pessoal, na sua vertente de historicidade pessoal – ver infra). 57. É neste quadro legal e interpretativo que deve agora analisar-se a questão de inconstitucionalidade colocada pelos requerentes: a da incompatibilidade da atual solução legislativa com o princípio da dignidade da pessoa humana e com os direitos fundamentais à identidade e ao desenvolvimento da personalidade da pessoa nascida através do recurso a técnicas de PMA heteróloga, incluindo nas situações de gestação de substituição. Saliente-se, desde já, que, diferentemente do que sucede noutros contextos em que estes direitos são invocados, como acontece a propósito de situações em que a filiação não se encontra estabelecida (é o caso, por exemplo, das ações de investigação da paternidade), o que está em causa é o acesso a dados informativos

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