TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
134 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL De resto, o próprio legislador não deixou de reconhecer a necessidade de regulamentação do artigo 8.º da LPMA, com a redação dada pela Lei n.º 25/2016. Nesse sentido, estabeleceu no artigo 4.º, n.º 2, desta última que as modificações pela mesma introduzidas no citado artigo 8.º (assim como as respeitantes ao artigo 39.º) só entrariam em vigor na data do início de vigência da regulamentação prevista no seu artigo 3.º A regulamentação em apreço veio a ser realizada pelo Decreto Regulamentar n.º 6/2017, de 31 de julho, podendo ler-se no seu preâmbulo: «[Das consultas realizadas e da reflexão efetuada resultou] a identificação de matérias que, com o acesso à gestação de substituição, através da Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, se considera relevante regulamentar. Cabe, agora, ao Governo criar as condições necessárias à implementação plena das soluções adotadas pelo legislador parlamentar. Neste sentido, importa através do presente decreto regulamentar definir o procedimento de autorização prévia a que se encontra sujeita a celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição, assim como o próprio contrato de gestação de substituição, cuja supervisão compete ao CNPMA […].» Nesse diploma, o Governo começa por estabelecer como um dos requisitos da autorização prévia para a celebração de contratos de gestação de substituição, a «aceitação das condições previstas no contrato-tipo de gestação de substituição por parte do casal beneficiário e da gestante de substituição» [artigo 2.º, n.º 2, alínea b) ]. E no seu artigo 3.º, n.º 1, determina que o «CNPMA aprova o contrato-tipo de gestação de subs- tituição, que contém os elementos essenciais do contrato, disponibilizando-o no respetivo sítio da internet», prevendo, depois, no n.º 3 do mesmo preceito, que do «contrato-tipo devem constar, entre outras, cláusulas tendo por objeto» o tratamento de questões atinentes a várias matérias elencadas nas alíneas subsequentes. 52. Não está em causa no presente processo a apreciação, a título específico ou principal, do conteúdo das normas aprovadas pelo Decreto Regulamentar n.º 6/2017 e, muito menos o clausulado do contrato-tipo já aprovado pelo CNPMA (cfr. supra os n. os 4 e 5). A questão de inconstitucionalidade a analisar é antes a da legitimidade de, em termos materiais ou substanciais, remeter para atos infralegislativos a definição das condições essenciais de acesso dos cidadãos à gestação de substituição. Com efeito, a mencionada ausência de uma disciplina legal positiva do conteúdo do contrato de ges- tação de substituição reflete a opção do legislador de se limitar a definir a existência de um quadro muito amplo e aberto quanto: (i) às matérias a tratar obrigatoriamente no âmbito de tal contrato (n.º 10 do artigo 8.º); e ( ii) às restrições a excluir obrigatoriamente do mesmo (n.º 11 do artigo 8.º). Acresce que a lei atribui ao CNPMA o poder de supervisionar o conteúdo do contrato, estabelecendo, ainda, que o mesmo contrato depende de autorização prévia do referido Conselho. Deste modo, o recurso ao direito geral dos contratos é insuficiente para completar o regime legal do contrato de gestação de substituição. Desde logo, porque não se trata de um contrato que dependa apenas da vontade dos contraentes, uma vez que se encontra sujeito a autorização administrativa (cfr. os n. os 3 e 4 do artigo 8.º da LPMA). Depois, porque o mesmo contrato não só respeita a um modo de procriação anterior- mente não admitido, como não se encontra tipificado na lei. E o exercício da autonomia das partes, por si só, também não chega para a conclusão do contrato, já que uma das questões deixadas em aberto pela LPMA reside justamente na definição das balizas em que tal autonomia pode ser exercida. Por outras palavras, os n. os 4, 10 e 11 do artigo 8.º da LPMA não oferecem uma medida jurídica com densidade suficiente para estabelecer parâmetros de atuação previsíveis relativamente aos particulares interes- sados em celebrar contatos de gestação de substituição nem, tão pouco, critérios materiais suficientemente precisos e controláveis para o CNPMA exercer as suas competências de supervisão e de autorização prévia. O que resulta claramente de tais preceitos é a sujeição do contrato de gestação de substituição a autoriza- ção administrativa prévia – por isso que a respetiva celebração só é admitida a título excecional, conforme
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=