TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
132 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Uma solução deste tipo, na sua rigidez e não atendibilidade das circunstâncias concretas e não complementada com outras garantias (como poderia ser a dependência da avaliação judicial das circunstâncias do caso), só pode ser justificada como meio de sanção e tentativa de dissuasão de comportamentos e práticas ilegais. No entanto, pela sua inflexibilidade pode significar, em termos práticos, que, contra o interesse da criança, se esteja a impor a sua vinculação filial a quem a rejeita e nunca a assumiu em projeto parental próprio ou se esteja, em alternativa, a determinar a eventual institucionalização da criança (por exemplo numa situação em que a mãe fosse condenada a pena de prisão pela prática ilegal da gestação de substituição) e sempre com simultânea privação do vínculo com as pessoas envolvidas no respetivo projeto parental e que até podem ser seus progenitores biológicos» [v. o n.º 2, alínea c) , pp. 10-11]. A partir destas considerações, o citado Conselho concluiu o seguinte: «O CNECV manifesta, por eventualmente contrária aos interesses da criança e por poder conduzir a situações absurdas, reserva ética à atual solução legislativa […], segundo a qual a gestação de substituição feita em contra- venção ao disposto na lei determina inflexivelmente que a mãe de gestação seja necessariamente considerada para todos os efeitos legais como mãe da criança assim gerada, sugerindo alternativamente que seja deixada ao juiz a busca da solução mais adequada atendendo às circunstâncias do caso, pelo menos para efeitos de tutela e guarda» (v. ibidem , III, n.º 3, p. 12). 50. Na verdade, a possibilidade de a todo o tempo questionar com fundamento na simples inobservân- cia (por oposição a uma inobservância qualificada) de um qualquer pressuposto (e não apenas de pressupos- tos fundamentais como, por exemplo, o de não ser a gestante dadora de qualquer ovócito usado no concreto procedimento em que é participante) a validade do contrato de gestação permite que se crie um grau de incerteza e indefinição quanto à filiação já estabelecida, o que não se compadece com a segurança jurídica exigível em matéria de estatuto das pessoas. As soluções legais devem assegurar que as posições jurídicas defi- nidas nesse domínio se possam consolidar e que, a partir do momento em que tal se verifique, não possam mais ser postas em causa, salvo por razões imperiosas de interesse público ou que contendam com interesses fundamentais dos particulares envolvidos. Ora, o regime consagrado no n.º 12 do artigo 8.º da LPMA, não só não permite a referida consolidação, como não diferencia em função do tempo ou da gravidade as causas invocadas para justificar a declaração de nulidade. Tal solução mostra-se, por isso, incompatível com o prin- cípio da segurança jurídica decorrente do princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição. Por outro lado, o mesmo regime, na sua abstração e com o automatismo dos efeitos legais que lhe estão associados, também não permite acautelar a solução que, em concreto, se revele como a mais adequada ao desenvolvimento integral da criança nascida na sequência de um contrato de gestação de substituição nulo. A este respeito deve recordar-se que, conforme este Tribunal tem entendido, a filiação jurídica é uma vertente do próprio direito à identidade pessoal consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição: «[O] estabelecimento jurídico dos vínculos da filiação, com todos os seus efeitos, conferindo ao indivíduo o estatuto inerente à qualidade de filho de determinadas pessoas, assume igualmente um papel relevante na caracteri- zação individualizadora duma pessoa na vida em sociedade. A ascendência funciona aqui como um dos elementos identificadores de cada pessoa como indivíduo singular. Ser filho de é algo que nos distingue e caracteriza perante os outros, pelo que o direito à identidade pessoal também compreende o direito ao estabelecimento jurídico da maternidade e da paternidade» (assim, v. Acórdão n.º 401/11). Ora, a solução indiferenciada e com efeitos ex lege própria do regime da nulidade obsta à consideração deste interesse fundamental da criança concretamente em causa – o respetivo direito à identidade pessoal
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