TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

130 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL B.6.2. As questões relativas ao regime da nulidade do contrato de gestação de substituição gratuito 48. Tendo em vista salvaguardar no plano juscivilístico o modelo português de gestação de substituição, o n.º 12 do artigo 8.º da LPMA determina que «[s]ão nulos os negócios jurídicos, gratuitos ou onerosos, que não respeitem o disposto nos números anteriores». A nulidade é a consequência aplicável aos negócios jurídicos celebrados contra a lei (cfr. o artigo 294.º do Código Civil). E, nos termos gerais, «é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal», produzindo a sua declaração efeito retroativo, com a consequência de dever «ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente» (cfr. os artigos 286.º e 289.º, n.º 1, ambos do citado Código). Os efeitos jurídicos de um negócio jurídico declarado nulo são eliminados do ordenamento. Um dos efeitos visados pelo recurso à gestação de substituição é o estabelecimento da filiação da criança dada à luz pela gestante em relação aos beneficiários, isto é, àqueles que celebraram com aquela um contrato de gestação de substituição (cfr. o artigo 8.º, n.º 7, da LPMA e supra o n.º 8). Assim, caso os efeitos deste contrato sejam eliminados do ordenamento em consequência da declaração da sua nulidade, na ausência de regulamentação específica, aquela regra especial de filiação deixa de ser aplicável, passando a matéria a reger-se pela lei geral: relativamente à mãe, a filiação resulta do facto do nascimento (artigo 1796.º, n.º 1, do Código Civil). Deste modo, a gestante passa a ter de ser considerada mãe da criança. Apesar de não serem de excluir em absoluto outros entendimentos, fundados designadamente nos ele- mentos histórico, teleológico e sistemático de interpretação, a verdade é que o mencionado se apresenta como o mais plausível do ponto de vista literal e do modo como o caráter excecional da licitude do contrato de gestação de substituição se encontra legalmente consagrada (cfr. supra o n.º 7). Acresce que interpretações alternativas, porventura consideradas mais consentâneas com a conformidade constitucional do regime em causa, não podem ser impostas pelo Tribunal Constitucional em sede de fiscalização abstrata, pelo que a norma a apreciar deve ser entendida com o sentido indicado. Se a solução em análise é coerente com o estabelecimento de requisitos legais de validade do contrato de gestação de substituição e, outrossim, com a incriminação no artigo 39.º da LPMA da celebração desses contratos a título gratuito ou oneroso fora dos casos previstos nos n. os 2 a 6 do artigo 8.º do mesmo diploma, a verdade é que a mesma pode conduzir a resultados perversos. Com efeito, a previsão de um mero regime de nulidade do contrato de gestação para a hipótese de o mesmo violar o regime aplicável da LPMA, sem se regular de forma cuidadosa as eventuais consequências que possam decorrer desse negócio nulo em matéria de filiação da criança, poderá colocar gravemente em causa o seu superior interesse. Sendo certo, além disso, que a criança em nada contribuiu para as ilegalidades cometidas. 49. O contrato de gestação de substituição está sujeito a autorização prévia e é supervisionado pelo CNPMA, pelo que, em princípio, os problemas relativamente à sua legalidade são prevenidos por essa via. Ainda assim, a rigidez do regime da nulidade, nomeadamente quanto à invocabilidade de causas a todo o tempo, e a sua uniformidade decorrente da eliminação retroativa de todos os efeitos jurídicos decorrente da declaração de nulidade, suscitam dificuldades, quando confrontadas com a diversidade de situações possíveis e a dinâmica da própria vida, sobretudo depois de o contrato de gestação de substituição já ter sido integral- mente executado. Note-se, desde logo, que a verificação dos pressupostos negativos previstos nos n. os 5 (inexistência de «qualquer tipo de pagamento ou a doação de qualquer bem ou quantia» dos beneficiários à gestante) e 6 (ine- xistência de relação de subordinação económica) do artigo 8.º da LPMA não é isenta de dúvidas, tanto mais que não se encontram previstos procedimentos específicos adequados à sua comprovação, antes, durante ou após a execução do contrato de gestação de substituição. Tal circunstância, conjugada com a possibilidade de,

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