TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

128 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Deste modo, a limitação à revogabilidade do consentimento da gestante estabelecida em consequência das remissões dos artigos 8.º, n.º 8, e 14.º, n.º 5, da LPMA para o n.º 4 deste último, é inconstitucional por restringir desproporcionadamente o respetivo direito ao desenvolvimento da personalidade, interpretado à luz do princípio da dignidade da pessoa humana (artigos 1.º e 26.º, n.º 1, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, todos da Constituição). 47. Estas considerações também são aplicáveis no caso da gestante de substituição se afastar do projeto parental dos beneficiários em virtude de querer levar a gravidez até ao fim e assumir um projeto parental pró- prio. Simplesmente, a existência de um concurso positivo de pretensões quanto à parentalidade da criança que vier a nascer ou já nascida torna as ponderações muito mais complexas, desde logo porque é necessário considerar também o interesse da criança. Com efeito, num tal quadro, a gravidez é levada até ao seu termo, e, uma vez nascida a criança, tanto os beneficiários, como a gestante pretendem assumir responsabilidades parentais quanto à mesma. Uma tal hipótese não é admitida pela lei não só por causa do limite à revogabilidade do consentimento da gestante consagrado no artigo 14.º, n.º 4, da LPMA e já analisado, como também devido à regra especial de estabelecimento da filiação consagrada no artigo 8.º, n.º 7, da mesma Lei, no pressuposto da existência de um contrato de gestação de substituição válido e eficaz: a «criança que nascer através do recurso à gestação de substituição é tida como filha dos respetivos beneficiários». Tal como anteriormente analisado, estas regras não são inadequadas nem desnecessárias à salvaguarda da posição dos beneficiários. Contudo, as mesmas não têm em atenção que durante a gravidez e até ao parto a única relação que existe com a criança que vai nascer é aquela que se estabelece entre a gestante e o nascituro, com relevância nos planos biológico e epigenético, bem como nos planos afetivo e emocional: a mulher grá- vida altera a expressão genética de cada embrião e, inversamente, o embrião-feto altera a grávida para sempre; e é durante a gestação que se estabelece uma vinculação afetiva entre o nascituro e a grávida (cfr. supra o n.º 43). As regras em apreço também desconsideram que, a partir do nascimento, o interesse da criança deve ser o principal critério de todas as decisões que sejam tomadas em relação ao destino da mesma (cfr. o artigo 3.º, n.º 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança e supra o n.º 33). Para a análise da validade daquelas normas, não é decisivo se a pretensão concorrente da gestante se manifesta antes ou depois do parto. O momento crítico é o do cumprimento da última obrigação essencial do contrato, ou seja, o da entrega da criança aos beneficiários. Com efeito, além de ser nessa altura que a gestante executa a parte que faltava do contrato de gestação de substituição que lhe corresponde, tal ato, sendo praticado voluntariamente, é comparável ao consentimento para adoção (cfr. o artigo 1981.º, n.º 1, do Código Civil). Por conseguinte, o que releva é a revogação pela gestante do seu consentimento inicial antes de entregar voluntariamente a criança que deu à luz ao casal beneficiário. Depois desse momento, estabelece-se uma nova relação entre estes últimos e o recém-nascido, deixando a gestante de ter argumentos que justifiquem voltar atrás (analogamente, quanto à adoção, vide o artigo 1983.º, n.º 1, do Código Civil). Por outro lado, a solução a dar ao problema do concurso de projetos parentais também não é influen- ciada pela circunstância de ambos os beneficiários serem progenitores genéticos da criança, em virtude de o embrião ter sido formado com gâmetas de ambos, ou só de um deles. Está em causa uma escolha apenas entre o projeto parental dos beneficiários ou o projeto parental assumido pela gestante. Cumpre analisar separadamente as posições da gestante e da criança nascida. Quanto à gestante, valem as considerações feitas supra no n.º 46, a propósito da ponderação do seu direito ao desenvolvimento da personalidade com o interesse dos beneficiários na defesa do respetivo projeto parental. Só que no caso ora considerado, as razões do afastamento de tal projeto por parte da gestante já não visam somente a proteção de bens pessoais dela (eventualmente, conjugados com a sua perceção sobre o que poderia ser o bem ou mal da criança que viesse a dar à luz) – como sucedia em relação à opção até às 10 semanas, ao perigo de vida ou perigo para a sua saúde física ou psíquica ou risco grave de que o nascituro

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