TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

123 acórdão n.º 225/18 A gravidez é um tempo vulnerável e constitui, entre outros aspetos, o momento por excelência de ativa pro- gramação do epigenoma do embrião-feto, condicionando e definindo a expressão dos genes do embrião/feto, para sempre: a expressão dos genes (ativação e desativação) do embrião/feto/criança é moldada pela gestação intraute- rina, ativando uns genes, desativando outros, muito se jogando logo desde a própria implantação do embrião no útero. A implantação é um fenómeno cientificamente cada vez mais determinante no futuro do embrião-feto e que, obviamente, varia de útero para útero. O recém-nascido não é a mesma pessoa de acordo com o útero em que é gerado: há uma diferente identidade (até epigenética). A mulher grávida altera a expressão genética de cada embrião. E inversamente: o embrião/feto altera a mãe gestatória, para sempre (até no simples plano biológico, já para não falar nos aspetos emocional e espiritual) – nenhuma mulher é a mesma pessoa (considerando apenas a biologia, já sem falar na vida psíquica e espiritual) depois de cada gravidez, dado o DNA fetal em circulação materna. A grávida de substituição pode entregar a criança após o parto à mãe “legal-social”, mas terá toda a sua vida na respetiva circulação DNA desse ser humano, possivelmente com consequências na respetiva saúde e comporta- mento – a relação não termina com o cumprimento do contrato. A grávida não se limita a “alimentar” o feto, altera-lhe a expressão dos genes; o microambiente uterino dá-lhe muito mais do que nutrientes e oxigénio: dá-lhe anticorpos, emoções, reprograma-lhe os genes (condicionando, possivelmente, futuras patologias e talvez comportamentos da pessoa que vai nascer)» (pp. 29-30). A partir destas considerações, bem como do conhecimento da possibilidade de ocorrência de malfor- mações do feto ou doenças fetais ou de que qualquer gravidez envolve, em maior ou menor grau, riscos para a saúde física ou psíquica da grávida (cfr. o artigo 8.º, n.º 10, da LPMA e o artigo 142.º, n.º 1, do Código Penal), pode concluir-se com referência ao processo de gestação: – Que se trata de um fenómeno dinâmico e imprevisível quanto a uma série de vicissitudes possíveis quer quanto ao feto-nascituro, quer quanto à grávida; – Que no seu âmbito se constitui uma relação biológica e potencialmente afetiva entre a grávida e o feto; – Que tal processo também pode interferir com a auto-compreensão da própria gestante. Estas características da gravidez condicionam decisivamente a possibilidade de um esclarecimento cabal ou de uma informação completa ex ante e, consequentemente, a própria posição da gestante face aos bene- ficiários: não sendo possível antecipar e prever o que vai ocorrer nas várias fases, desde a implantação do embrião até à entrega da criança, pode duvidar-se da existência de um consentimento suficientemente infor- mado e, como tal, adotado com plena consciência de todas as possíveis consequências. Inexistindo um escla- recimento suficiente, a escolha realizada também não poderá considerar-se verdadeiramente livre. Em tais condições, caso a gestante se venha a opor à execução do contrato de gestação de substituição, é de concluir que uma eventual execução forçada do mesmo, ou uma penalização pecuniária pelo seu incumprimento devem ser consideradas, como uma afetação não realmente consentida da sua personalidade. Em qualquer caso, as referidas características da gestação também não permitem excluir – bem pelo contrário, antes justificam – uma eventual alteração das circunstâncias que subjetivamente determinaram o consentimento da gestante, fazendo com que o projeto parental inicial não corresponda mais à sua vontade. A consequência da verificação de tal hipótese será, uma vez mais, que as obrigações da gestante decorrentes do contrato de gestação de substituição, no momento da sua execução, já não correspondam à vontade da gestante, em termos de a mesma ter de ser forçada a cumpri-las, eventualmente por via direta – como poderá suceder com a entrega da criança –, ou, porventura mais frequentemente, por via indireta, mediante o pagamento de indemnizações compensatórias. Porém, dada a natureza pessoalíssima de tais obrigações, as mesmas só são compatíveis com a dignidade da gestante, na medida em que o seu cumprimento corresponda a uma atuação por si voluntariamente assumida.

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