TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
122 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL como mencionado, a validade jurídica de qualquer uma das obrigações essenciais do contrato de gestação pressupõe a validade e eficácia do consentimento prévio da gestante, sob pena de a dignidade desta ficar comprometida. Por isso mesmo, o seu consentimento traduz o exercício do seu direito fundamental ao desenvolvimento da personalidade com referência a cada uma das fases do processo de gestação de substitui- ção (cfr. supra o n.º 28). Já para os beneficiários, depois da recolha dos gâmetas exigidos e da concretização da transferência ute- rina, um eventual passo atrás no que se refere ao seu consentimento, já não pode interferir com as aludidas obrigações essenciais do contrato. O caráter vinculativo do seu consentimento justifica-se em razão de tais obrigações recaírem sobre a gestante, e não sobre eles. Uma eventual desistência do projeto parental que assumiram inicialmente apenas poderia culminar, caso a gestação de substituição fosse bem sucedida, numa entrega para adoção. Assim, e diferentemente do que acontece no caso da gestante, o consentimento dos mesmos não está necessariamente conexionado com o exercício de direitos fundamentais seus. Aliás, como referido anteriormente, os beneficiários não têm um direito fundamental à procriação por via de gestação de substituição; esta última corresponde tão só a uma opção do legislador no sentido de possibilitar a concreti- zação de um projeto parental que, de outro modo, não seria viável (cfr. supra o n.º 27). O legislador manteve a referência expressa e autónoma ao consentimento e à sua livre revogabilidade no artigo 14.º, n.º 4, da LPMA, determinando que tal preceito «é aplicável à gestante de substituição nas situações previstas no artigo 8.º» (vide o n.º 5 do mesmo artigo 14.º). É que, apesar de todas as conexões, a aceitação do contrato de gestação de substituição por parte da gestante não garante necessariamente a continuidade do seu consentimento por todo o tempo da execução do contrato. Como mencionado, o con- trato pode acomodar as exigências relacionadas com o consentimento, em especial com os seus limites, mas também pode não o fazer. Neste caso, as exigências do consentimento, atenta a respetiva importância para a admissibilidade jurídica do próprio contrato, têm de prevalecer. E o legislador até o reconheceu no artigo 14.º, n.º 4, da LPMA: o consentimento é livremente revogável até ao início dos processos terapêuticos de PMA. A questão que este preceito suscita, depois, é a de saber se tal garantia, do ponto de vista da salvaguarda da dignidade da gestante, é suficiente. 43. Tal como conformado pela lei em vigor, o consentimento da gestante é prestado ex ante relativa- mente ao início do processo terapêutico de PMA e, a fortiori , à própria gravidez e ao parto, mais exatamente antes da celebração do contrato de gestação de substituição ou nesse momento. Tal consentimento baseia-se nas informações a que se reportam os n. os 2 e 6 do artigo 14.º: respetivamente, benefícios e riscos conhecidos resultantes da utilização das técnicas de PMA, bem como das suas implicações éticas, sociais e jurídicas; e significado da influência da gestante no desenvolvimento embrionário e fetal. E o consentimento só pode ser revogado até ao início do dito processo terapêutico de PMA. Sucede que a gestação é um processo complexo, dinâmico e único, em que se cria uma relação entre a grávida e o feto que se vai desenvolvendo no seu seio. Daí poder questionar-se até que ponto é que um consentimento prestado ainda antes da gravidez, relativamente a todo o processo da gestação de substituição, desde a implantação do embrião até ao parto e, mesmo depois, até à entrega da criança aos beneficiários, é verdadeiramente informado quanto à totalidade desse mesmo processo. No Relatório sobre Procriação Medicamente Assistida e Gravidez de Substituição, elaborado pelo Con- selheiro-Presidente Miguel Oliveira da Silva em vista do Parecer n.º 63/CNECV/2012, evidencia-se que a gestante não é neutra nem biológica nem afetivamente em relação ao feto e que existe uma interação entre ambos muito significativa: «3.4. O ambiente uterino e sua influência determinante na pessoa humana O microambiente uterino condiciona o funcionamento da placenta e o desenvolvimento do epigenoma fetal, isto sem alterar a sequência do DNA, leva a modificações do epigenoma (conjunto das modificações na cromatina […], por metilação da DNA, modificações na histona e no micro RNA não codificante (non-coding).
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