TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
121 acórdão n.º 225/18 41. Aliás, isso mesmo parece ter sido tentado no Decreto Regulamentar n.º 6/2017, de 31 de julho, que veio regulamentar a Lei n.º 25/2016, e no contrato-tipo entretanto aprovado, mas com o objetivo de reduzir ao mínimo as referências autónomas ao consentimento e fazer coincidir o acordo com a declaração unilateral de consentimento. Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, daquele diploma, o CNPMA aprova o contrato-tipo de gestação de substituição, do qual devem constar obrigatoriamente cláusulas tendo por objeto matérias enunciadas nas alíneas do n.º 3 do mesmo preceito. Entre estas, cumpre salientar, pela sua conexão com a questão do consen- timento, as alíneas e) («[a] prestação de informação completa e adequada sobre as técnicas clínicas e os seus potenciais riscos para a saúde») e f ) («[a] prestação de informação ao casal beneficiário e à gestante sobre o significado e as consequências da influência do estilo de vida da gestante no desenvolvimento embrionário e fetal»), porquanto respeitam, respetivamente, às informações destinadas a garantir um consentimento infor- mado previstas nos n. os 2 e 6 do artigo 14.º da LPMA. Verifica-se, deste modo, o esforço de lograr que, por via da aceitação de um contrato que obedeça ao contrato-tipo, se preste simultaneamente o consentimento exigido. Ainda assim, este surge autonomizado logo na alínea j) , respeitante aos «termos da revogação do consen- timento ou do contrato e as suas consequências» (itálicos aditados). E, sobretudo, no seguinte preceito: «Artigo 4.º Declaração negocial Sem prejuízo do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal, as declarações negociais da gestante de substituição e dos beneficiários manifestadas no contrato de gestação de substituição, são livremente revogáveis até ao início dos processos terapêuticos de PMA.» Recorde-se que o preceito citado do Código Penal respeita à interrupção voluntária da gravidez reali- zada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas de gravidez. No contrato-tipo aprovado pelo CNPMA, já só se fala em «revogação do contrato», não para referir um acordo de revogação, mas a possibilidade de «qualquer uma das partes» livremente pôr termo ao contrato «até ao início do processo terapêutico de PMA» (cláusula 8.ª, n.º 1). Admite-se também a resolução (unilateral) do contrato nos casos de realização de interrupção voluntária da gravidez [cláusula 8.ª, n. os 1, parte final, e 2, só pela gestante, com referência à hipótese prevista no artigo 142.º, n.º 1, alínea e) , do Código Penal; cláusula 11.ª, por qualquer das partes, nas situações das alíneas a) ou b) do mesmo preceito]. Os deveres de informa- ção, assim como o consentimento prestado perante o médico constituem um pressuposto da assinatura do contrato, conforme referido no considerando g) do contrato-tipo [ainda que depois, nas cláusulas 2.ª, n.º 2, alínea a) , e 5.ª, alínea a) , se afirme constituírem direitos, respetivamente, da gestante e do casal beneficiário, serem informados de acordo com a previsão do artigo 14.º, n.º 2, da LPMA]: «O casal beneficiário e a gestante foram informados por escrito dos benefícios e dos riscos conhecidos resultan- tes da utilização das técnicas de PMA, das suas implicações éticas, sociais e jurídicas e do significado da influência da gestante de substituição no desenvolvimento embrionário e fetal, tendo prestado expressamente o seu consenti- mento para a realização dos necessários procedimentos de PMA de forma livre e esclarecida.» 42. Simplesmente, há que não confundir uma legítima acomodação contratual com uma indiferencia- ção ilegítima, atenta a assimetria existente entre o que é consentido pelos beneficiários e pela gestante e a autonomia funcional do consentimento de cada uma das partes no contrato. Concentrando a atenção na gestante, verifica-se que é a saúde desta que corre maiores riscos e durante mais tempo e é ela que se vincula a suportar a gravidez e o parto e, depois deste, a entregar a criança aos beneficiários. Para a gestante, o seu consentimento cobre um significativo período de tempo, durante o qual o seu corpo e a sua saúde psicológica e emocional vão sofrendo alterações várias. Em termos funcionais, e
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