TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

119 acórdão n.º 225/18 consentimento expresso, autónomo e antecipado; e, por outro, permitindo a revogação de tal consentimento «até ao início dos processos terapêuticos de PMA» (cfr. os artigos 8.º, n.º 8, e 14.º, ambos da LPMA; vide também supra os n. os 8 e 29). Mas será que tal é suficiente? Em segundo lugar, o regime da nulidade previsto no n.º 12 do artigo 8.º da LPMA, privando de eficácia o contrato de gestação de substituição, afeta a filiação estabelecida nos termos do n.º 7 de tal preceito com base nesse contrato. Suscitam-se, por isso, dúvidas, quanto ao respeito das exigências de segurança jurídica numa matéria tão importante como a da filiação, atenta a invocabilidade a todo o tempo e por qualquer interessado da nulidade. Tais dúvidas estendem-se ainda à questão de saber se, e em que medida, o interesse da criança nascida na sequência de uma gestação de substituição pode ser objeto de ponderação autónoma, em caso de nulidade do pertinente contrato, seja ele gratuito ou oneroso. Num plano diferente, mas não menos relevante no quadro de um Estado de direito democrático, coloca- -se ainda o problema da suficiência e determinabilidade do regime legal estabelecido quanto ao contrato de gestação de substituição, para mais num domínio coberto, ao menos parcialmente, pela reserva de lei parla- mentar (n. os 4, 10 e 11, do artigo 8.º da LPMA). Com efeito, o legislador abdicou de intervir no tocante à conformação do conteúdo das cláusulas contratuais, limitando-se a prever a existência necessária de disposi- ções sobre certas matérias e a proibir disposições que imponham «restrições de comportamentos à gestante de substituição» ou «normas que atentem contra os seus direitos, liberdade e dignidade». Sendo o contrato uma expressão da autonomia privada das partes, a omissão de intervenção em causa prima facie até poderia parecer consequente. Simplesmente, o legislador também reconhece que o contrato é “supervisionado” pelo CNPMA e tem de ser pelo mesmo previamente autorizado. Ou seja, e sem prejuízo do início de vigência do regulamento referido no artigo 4.º, n.º 2, da Lei n.º 25/2016, ao abdicar nos termos referidos de intervir na conformação do conteúdo do contrato de gestação de substituição, o legislador acabou por remeter para o CNPMA a competência de delimitar positiva e negativamente o âmbito do exercício da autonomia privada das partes em tal contrato. B.6.1. A questão dos limites à livre revogabilidade do consentimento da gestante 39. A essencialidade do consentimento da gestante para a eficácia do contrato de gestação de substitui- ção já foi devidamente sublinhada. Se o contrato, para além da regulação de diferentes aspetos das relações entre as partes, traduz a adesão da gestante a um projeto parental dos beneficiários, aceitando, perante estes, que se submete a um conjunto de operações que visam, no final, dar à luz uma criança que seja tida como filha deles (cfr. supra os n. os 24 e 28), o referido consentimento destina-se a garantir que as obrigações assumi- das em ordem a permitir alcançar tal finalidade – obrigações essas que interferem com direitos fundamentais da gestante, nomeadamente o direito à integridade física, o direito à saúde e até o direito a constituir família e a ter filhos – não violentam a gestante, ficando salvaguardada a sua dignidade ao longo de todo o processo (cfr. supra os n. os 8, 28 e 29). Com efeito, qualquer uma das obrigações características do contrato de gesta- ção de substituição – a submissão a uma técnica de PMA, a gravidez e o parto suportados no interesse dos beneficiários e a entrega a estes da criança nascida – só é juridicamente admissível porque consentida pela gestante. E este consentimento livre e esclarecido – é essa a razão de ser do estabelecimento de certas garantias procedimentais e organizatórias para a sua prestação –, que a vincula, tem de valer enquanto for condição indispensável à salvaguarda da dignidade da gestante, pois só desse modo pode desempenhar a função espe- cífica que lhe compete no âmbito do regime da gestação de substituição. Dada a natureza jurídica do consentimento enquanto negócio jurídico unilateral, não é fácil a sua arti- culação jurídico-formal com o regime do contrato – um negócio jurídico bilateral. E o modo como a refe- rência expressa ao contrato foi introduzida na lei também não ajuda (cfr. supra o n.º 29). De todo o modo, é seguro que a previsão legal do contrato e o seu regime não pode prejudicar a função própria e específica do consentimento, em particular o da gestante, sob pena de pôr em causa a própria admissibilidade constitucio- nal da gestação de substituição. Recorde-se que uma das condições de admissibilidade do modelo português

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