TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

116 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 36. Uma outra questão suscitada em conexão com a defesa do superior interesse da criança respeita à possibilidade de criação de famílias monoparentais. O problema foi suscitado no pedido objeto de apreciação pelo Acórdão n.º 101/09, uma vez que a admissibilidade da PMA heteróloga pode conduzir a esse tipo de situações: ao excluir a paternidade do dador do sémen e ao permitir que o marido ou o companheiro unido de facto à mulher sujeita à técnica de PMA possa impugnar a presunção de paternidade, provando que não prestou consentimento para a mesma (ou que a criança não nasceu da inseminação para que o consentimento foi prestado), a criança pode, na prática, ser juridicamente considerada apenas filha da mulher que se submeteu à técnica de PMA (artigos 10.º, n.º 2, 19.º, n.º 1, 20.º, n.º 4, e 21.º, todos da LPMA, com a redação dada pelas leis de 2016). Por força do alarga- mento do âmbito dos beneficiários das técnicas de PMA operado pela Lei n.º 17/2016, visando garantir o acesso de todas as mulheres à PMA (vide o respetivo artigo 1.º), o problema tornou-se ainda mais presente: segundo a nova redação do artigo 6.º, n.º 1, da LPMA, qualquer mulher, independentemente do estado civil e da respetiva orientação sexual, pode recorrer às técnicas de PMA, sendo por isso beneficiária de tais técnicas, nos mesmo termos em que o são casais heterossexuais ou casais de mulheres, respetivamente casados ou casadas ou que vivam em condições análogas às dos cônjuges. Anteriormente à citada Lei n.º 17/2016, aquele preceito apenas permitia o acesso a técnicas de PMA a casais heterossexuais, casados ou que vivessem em condições análogas às dos cônjuges. A questão da monoparentalidade pode eventualmente colocar-se também no âmbito da gestação de substituição (cfr. a nota feita supra no n.º 8). Mas ainda que assim suceda, certo é que a mesma não é um problema específico de tal modo de procriação. A questão coloca-se hoje necessariamente em consequên- cia da referida alteração do artigo 6.º, n.º 1, da LPMA. Era nesse preceito que se ancorava o princípio da biparentalidade (assim, vide o Acórdão n.º 101/09). Porém, como se refere no relatório junto ao Parecer n.º 87/CNECV/2016, ocorreu uma «mudança de paradigma da utilização das técnicas de PMA, centrando as questões numa realidade: que a beneficiária das técnicas é a mulher, independentemente do facto de estar ou não acompanhada por um/a parceiro/a. Nesta medida, as alterações previstas para a Lei n.º 32/2006, de 26 de junho [– e que nela foram introduzidas pela referida Lei n.º 17/2016 –], não implicam um verdadeiro alargamento dos beneficiários das técnicas da PMA, antes constituem o reconhecimento legal de que a bene- ficiária das técnicas é aquela em quem as técnicas são potencialmente aplicadas, ou seja, a mulher» (p. 11). Deste modo, a possibilidade de constituição de famílias monoparentais com recurso a técnicas de PMA resulta exclusivamente do artigo 6.º, n.º 1, da LPMA. Sucede que a constitucionalidade deste preceito não é questionada pelos requerentes, nessa ou em qual- quer outra dimensão, razão por que este Tribunal, em obediência ao princípio do pedido, não pode conhecer de tal questão. 37. A questão mais geral respeitante à promoção do caráter ambíguo da maternidade com impacto sobre a criança nascida na sequência do recurso à gestação de substituição e sobre a própria instituição familiar encontra-se enunciada, por exemplo, na declaração de voto conjunta contrária ao sentido do Parecer n.º 63/CNECV/2012 e, de modo especial, salientando os respetivos aspetos ético-filosóficos, no relatório que dela faz parte elaborado pelo Conselheiro Michel Renaud. Sintetizando o essencial das preo- cupações a tal respeito, pode ler-se na referida declaração conjunta: «O voto contra é essencialmente justificado pelo facto de se considerar que foi o interesse sempre prioritário e frequentemente exclusivo do casal beneficiário e não o interesse do nascituro que esteve na base da discussão do CNECV; ora, considera-se que o superior interesse do nascituro é o primeiro elemento que deve nortear a reflexão. Em seguida, por motivos circunstanciais, o Parecer aprovado por maioria altera o sentido global da maternidade, o que, aliás, pressupõe a promoção intencional de um dualismo filosófico entre a vertente natural da maternidade e a sua vertente sócio-jurídica e política – dualismo com o qual filosoficamente não concordamos e que não nos parece ser a marca de um progresso civilizacional. […]

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