TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
115 acórdão n.º 225/18 como pessoa em formação, elemento dinâmico, cujo desenvolvimento exige o aproveitamento de todas as suas virtualidades» ( idem , ibidem , pp. 869-870). Deste modo, o direito à proteção das crianças com vista ao seu desenvolvimento integral ganha uma densidade autónoma, pois, além de pressupor o direito ao desenvolvimento da personalidade, implica direi- tos a uma proteção do bem jurídico desenvolvimento da personalidade contra ameaças ou agressões prove- nientes de terceiros, incluindo os progenitores, ou de contingências naturais – a que correspondem deveres de proteção «contra todas as formas de abandono, de discriminação e contra o exercício abusivo da autori- dade na família e nas demais instituições» (artigo 69.º, n.º 1) – e a garantia de condições favoráveis à própria formação da personalidade. E é por causa desta segunda vertente – a que corresponde um dever geral de promoção do bem jurídico em causa – que o direito das crianças à proteção do seu desenvolvimento integral se reconduz a um «típico “direito social”, que envolve deveres de legislação e de ação administrativa para a sua realização e concretização» (assim, vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição…, cit., anot. I ao artigo 69.º, p. 869). A vertente do dever de proteção – especificamente invocada pelos requerentes – pressupõe uma ameaça ou perigo para o bem protegido ( in casu , o desenvolvimento integral da criança) e implica uma atuação contra o agressor. Esta atuação deverá ser tanto mais intensa, quanto mais certa e concreta for a ameaça. Em qualquer caso, tal atuação, quando dirigida contra terceiros (na situação ora em causa, contra os pais inten- cionais e a gestante), determina limitações e restrições à sua liberdade de agir, podendo, no limite, determinar inibições ou mesmo a perda de direitos. Daí a necessidade de fazer ponderações entre, por um lado, a inten- sidade do risco para o bem a proteger e, por outro, a importância dos interesses daqueles que serão afetados pelas medidas de proteção de tal bem. No que se refere ao impacto negativo no desenvolvimento da criança que foi separada da mulher que a deu à luz, verifica-se inexistirem certezas, seguras e determinadas ou definitivas; os dados científicos apontam, isso sim, para um impacto positivo da manutenção de tal ligação após o nascimento (cfr. supra o n.º 33). E, de todo o modo, também não se exclui que eventuais impactos negativos não possam ser compensados por uma experiência de parentalidade mais intensa, porque muito desejada e alcançada após a superação de enorme sofrimento. Do lado dos pais intencionais e da gestante, não pode ignorar-se a já mencionada relevância constitucional positiva da gestação de substituição, enquanto modo de viabilização de direitos fundamentais dos beneficiários (cfr. supra o n.º 27) e enquanto expressão possível da autonomia pessoal da gestante (cfr. supra o n.º 28). Em suma, dir-se-á que o perigo inerente à gestação de substituição para o desenvolvimento da criança nascida com recurso à mesma reveste um grau de abstração elevado e de significativa incerteza. É este nível de ameaça àquele bem que tem de ser ponderado com a imposição de severas limitações à liberdade geral de atuação, seja dos pais intencionais ou beneficiários, seja da gestante de substituição. Num tal quadro de incerteza quanto aos riscos para o desenvolvimento da criança e de certeza positiva quanto aos benefícios da gestação de substituição para os beneficiários e a própria gestante, não pode deixar de reconhecer-se ao legislador um significativo espaço de avaliação e de conformação. O dever de proteção da criança, nestas con- dições, não impõe uma única atuação, em especial a prevenção absoluta de todo e qualquer risco mediante a proibição da gestação de substituição. Aliás, tal solução, embora admitida, não foi considerada consti- tucionalmente imposta no Acórdão n.º 101/09. Diferentemente, o cumprimento daquele dever permite diversas soluções que equilibrem os vários interesses em presença, soluções essas que vão desde a proibição de tal forma de procriação até à sua regulação. Permitir a gestação de substituição ou proibi-la, corresponde simplesmente a uma opção do legislador, a adotar num quadro de ausência de certezas absolutas sobre se as vantagens sobrelevam as desvantagens ou vice-versa (cfr., quanto à não imposição da permissão, supra o n.º 27). Consequentemente, a consagração da gestação de substituição no artigo 8.º da LPMA, por si só, não viola o dever de proteção da infância.
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