TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

114 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL fazê-lo com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada (cfr. o artigo 51.º, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional). Os requerentes chamam desde logo a atenção para a deficiente tutela do interesse da criança nascida, em virtude da já referida quebra de ligação com a gestante após o parto, com consequências negativas para o seu futuro desenvolvimento. Desse modo, a permissão legal da gestação de substituição determinaria uma violação do dever de proteção da infância (artigo 69.º, n. os 1 e 2, da Constituição). Este foi, de resto, um dos fundamentos invocados no Parecer n.º 87/CNECV/2016 para se pronunciar contra a alteração do regime jurídico então em vigor (n.º 1: o «Conselho considera que não estão salvaguardados os direitos da criança a nascer»). Mas têm sido suscitadas outras questões igualmente relacionadas com a defesa do superior interesse da criança, atenta a respetiva centralidade na problemática da gestação de substituição, nomeadamente o tema das desvantagens para a criança associadas à monoparentalidade e, num plano mais geral, à desconsideração da própria família, enquanto instituição assente em laços familiares claramente diferenciados, decorrente da promoção de uma ambiguidade sobre o sentido da maternidade. 35. A violação do dever de proteção da infância, previsto no artigo 69.º, n.º 1 da Constituição – «[a]s crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, espe- cialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições» – é invocada pelos requerentes a propósito da omissão ou deficiente defesa do superior interesse da criança perante o desejo dos pais intencionais de terem um filho. Na base de tal posição está a aludida possibilidade de a quebra de vínculo entre o recém-nascido e a gestante causar danos psicológicos e emocionais durante o desenvolvimento do primeiro, os quais poderão acompa- nhá-lo ao longo de toda a vida. Acresce que, conforme referido no relatório do CNECV de 2016, a ciência já demonstrou ser benéfica para o recém-nascido, no seu processo de crescimento e de afirmação bio-psico- -social, a manutenção e aperfeiçoamento de tal vínculo. Daí que o superior interesse da criança exigisse a sal- vaguarda dessa ligação, devendo este interesse prevalecer sobre o dos pais intencionais e da própria gestante. A proteção da infância e a salvaguarda do superior interesse da criança constituem valores proeminen- tes a nível internacional e da União Europeia, sendo numerosos os instrumentos que consagram direitos das crianças e obrigações estaduais para garantir a sua proteção e a salvaguarda do seu superior interesse. Destacam-se, como referido supra no n.º 10, a Convenção sobre os Direitos da Criança (em especial, os seus artigos 3.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, e 9.º, n.º 1) e a CDFUE (artigo 24.º). No plano interno, releva o citado dever de proteção da infância. Na verdade, as características físicas e psicológicas das crianças, assim como o dinamismo inerente à formação e desenvolvimento da sua personalidade, tornam-nas naturalmente vulneráveis a circunstâncias que podem fazer perigar o seu processo de autonomização e, em última análise, comprometer ou condicio- nar a respetiva autodeterminação enquanto adultos. Daí que a Constituição as reconheça como sujeitos de direitos fundamentais e, ao mesmo tempo, se preocupe com as eventuais situações de necessidade associadas à sua natural vulnerabilidade, reconhecendo-lhes um específico e próprio «direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral» (artigo 69.º, n.º 1). Como sublinham Gomes Canotilho e Vital Moreira, «este direito à proteção infantil protege todas as crianças por igual, mas poderá justificar medidas especiais de compensação (discriminação positiva), sobretudo em relação às crianças em determinadas situações (órfãos e abandonados) (n.º 2)» (vide Autores citados, Constituição… , cit., anot. I ao artigo 69.º, p. 869). Com efeito, «a noção constitucional de desenvolvimento integral (n.º 1, in fine ) – que deve ser aproximada da noção de “desenvolvimento da personalidade” (art. 26.º-[1]) – assenta em dois pres- supostos: por um lado, a garantia da dignidade da pessoa humana (cfr. artigo 1.º), elemento “estático”, mas fundamental para o alicerçamento do direito ao desenvolvimento; por outro lado, a consideração da criança

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