TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

113 acórdão n.º 225/18 normais níveis de desenvolvimento intelectual, emocional somático e social das crianças. São, porém, estudos limitados no tempo, só contemplando crianças até aos 2 anos de idade.» (pp. 21-22). E, no seu Parecer n.º 63/CNECV/2012, o CNECV referiu apenas riscos e dúvidas respeitantes «sobretudo à diferente perceção dos efeitos indeterminados de instabilização que a admissibilidade, mesmo excecional, da ges- tação de substituição pode gerar na valoração social e simbólica da gravidez e da maternidade». Por isso mesmo, considerou que «não estando decisivamente em causa a afetação real e atual de princípios fundamentais, a subsis- tência daqueles riscos e dúvidas pode ser compensada pelos benefícios substanciais que uma gravidez de substitui- ção legalmente configurada nestes termos pode proporcionar à vida concreta de algumas pessoas, pelo que, nestas condições, não haverá objeções éticas absolutas» à gestação de substituição (p. 9). Mesmo no relatório de 2016, que antecedeu o parecer do CNECV desfavorável à gestação de substitui- ção (o Parecer n.º 87/CNECV/2016), assinala-se o seguinte: «Não existe ainda suficiente evidência sobre os efeitos de um novo e diferente contexto reprodutivo na constru- ção da personalidade da criança, havendo, no entanto, alguma evidência quanto à ligação (psicológica, biológica/ epigenética) que se estabelece durante a gestação entre o feto e a mulher grávida, ligação que é importante para o desenvolvimento futuro da criança. A questão está em ponderar se será aceitável que a lei imponha o cumprimento de um contrato que representa o corte com o vínculo biológico e afetivo construído ao longo do desenvolvimento intrauterino da criança e cuja manutenção e aperfeiçoamento a ciência já demonstrou ser benéfica para o recém- -nascido, no seu processo de crescimento e de afirmação bio-psico-social» (pp. 15-16). Ora, o apelo implícito ao princípio da precaução e à ponderação dos aspetos benéficos da vinculação precoce mãe-nascituro exclui a certeza sobre o malefício de uma rutura e, portanto, também a pertinência de um argumento jurídico fundado apenas na dignidade da criança. Nesse sentido, Vera Lúcia Raposo, por exemplo, desvaloriza os riscos de uma eventual perturbação psicológica para a criança que esta técnica pro- voca, notando que a criança gerada com recurso à gestação de substituição poderá ter a certeza de ter sido muito desejada pelos beneficiários, forçados a ultrapassar as suas próprias limitações fisiológicas e biológicas para a trazer ao mundo, pelo que nunca padecerá do trauma dos filhos “acidentais” (cfr. a Autora cit., De Mãe para Mãe… , cit., p. 48). Na verdade, é de realçar que os estudos científicos existentes não indiciam quaisquer diferenças rele- vantes, no que respeita às relações de parentalidade e ao desenvolvimento psicológico harmonioso, entre crianças nascidas com recurso a gestação de substituição e as restantes, não tendo este fator sido assinalado como causa direta de quaisquer perturbações (veja-se, por exemplo, e para além dos mencionados no aludido relatório do Presidente do CNECV de 2012, Golombok, S., Blake, L., Casey, P., Roman, G. and Jadva, V. (2012), “Children born through reproductive donation: a longitudinal study of psychological adjustment” in Journal of Child Psychology and Psychiatry, 54, 653–660. doi:10.1111/jcpp.12015). B. 5. Outras questões de inconstitucionalidade suscitadas pelo modelo português da gestação de substituição 34. De todo o modo, as questões de inconstitucionalidade relacionadas com a dignidade dos interve- nientes na gestação de substituição não esgotam o número daquelas que podem pôr em causa a admissibili- dade constitucional de princípio desta figura, mesmo que só considerada nos seus traços jurídico-positivos essenciais (gestação de substituição de caráter subsidiário e excecional, formalizada por via de um contrato a título gratuito, sujeito a autorização administrativa prévia, e a realizar mediante uma técnica de PMA com recurso a gâmetas de pelo menos um dos respetivos beneficiários, não podendo a gestante ser a dadora de qualquer ovócito usado no concreto procedimento em que é participante). Há outras possíveis objeções constitucionais a considerar, algumas delas formuladas pelos requerentes, mas não apenas por eles. O Tri- bunal só pode declarar a inconstitucionalidade de normas cuja apreciação tenha sido requerida, mas pode

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