TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
109 acórdão n.º 225/18 Explicita-se ainda que o contrato estabelecido não pode impor restrições comportamentais à gestante, nem impor normas que atentem contra os seus direitos, liberdade e dignidade. [..] Ao definir-se uma maior estabilidade contratual e reduzir-se a hipótese de litígio, acrescentando mecanismos a outros já previstos no Decreto da Assembleia, defende-se o direito da criança a nascer. Ao explicitar-se os direitos e deveres da gestante, assim como a necessidade da mesma prestar consentimento informado, a necessidade absoluta de se respeitar a dignidade desta, a impossibilidade de contratos que atentem contra a mesma, estamos a garantir os direitos da gestante. Ao explicitar a necessidade de existência de um contrato escrito, supervisionado pelo CNPMA, e ao definir algumas das disposições que nele devem constar, estamos a proporcionar um melhor enquadramento contratual.» (itálicos aditados) Acresce que o legislador estabeleceu garantias procedimentais e organizatórias mínimas que acautelam a celebração do contrato, a prestação do consentimento e a utilização das técnicas de PMA necessárias à con- cretização da gestação de substituição segundo as referidas exigências de proteção. Assim, o contrato de gestação de substituição é celebrado por escrito e deve ser precedido de autoriza- ção do CNPMA destinada a comprovar a observância de todos os requisitos legais (n. os 3, 4 e 10 do artigo 8.º da LPMA). Entre estes consta, por força da remissão do artigo 8.º, n.º 8, da LPMA para o artigo 14.º da mesma Lei, a exigência de que a prestação do consentimento seja feita, de forma expressa e por escrito, perante o médico responsável pela aplicação da PMA à gestante (n.º 1). A prestação de tal consentimento deve ser precedida de informação escrita pelo CNPMA de todos os benefícios e riscos conhecidos resultantes da utilização das técnicas de PMA, das suas implicações éticas, sociais e jurídicas, bem como da influência da gestante de substituição no desenvolvimento embrionário e fetal (n. os 2, 3 e 6). Por fim, as técnicas de PMA indispensáveis à concretização da gestação de substituição, só podem ser realizadas em centros devidamente autorizados e por pessoas qualificadas para o efeito (cfr. o artigo 5.º da mesma Lei). Em suma, o legislador, ao modelar o regime da gestação de substituição, não ignorou a necessidade de salvaguarda da dignidade da pessoa humana referida no artigo 67.º, n.º 2, alínea e) , da Constituição, tendo criado para o efeito um procedimento específico e previsto um quadro organizatório próprio. Um e outro não se mostram desadequados nem insuficientes para proteger eficazmente a liberdade e o esclarecimento da gestante, pelo menos, no momento em que esta contrata com os beneficiários e inicia os processos terapêu- ticos de PMA. 30. Saber se estas garantias procedimentais e organizatórias são suficientes para uma efetiva proteção da liberdade de ação da gestante ao longo de todo o processo de gestação de substituição é uma questão diferente, mas que já não interfere com a admissibilidade constitucional de princípio do próprio instituto da gestação de substituição, tal como modelado pelo legislador nos seus traços essenciais (cfr. supra os n. os 8, 9 e 28). Nesse caso, poderão estar em causa aspetos concretos do regime jurídico, que, por força das exi- gências constitucionais quanto ao direito ao desenvolvimento da personalidade – o qual, recorde-se, é um direito fundamental concretizador do respeito pela dignidade da pessoa –, e atendendo à própria dinâmica da gestação, coloquem problemas de constitucionalidade. Ou seja, no plano das soluções jurídicas concre- tas consagradas nos vários números do artigo 8.º da LPMA, haverá que avaliar se as mesmas salvaguardam adequadamente o direito ao desenvolvimento da personalidade da gestante de substituição, nomeadamente em situações de potenciais conflitos de direitos, ainda que esta tenha, no momento inicial, de livre vontade e num exercício de autodeterminação, prestado o seu consentimento para o concreto procedimento de ges- tação de substituição em que é participante e aceitado vincular-se contratualmente perante os beneficiários do mesmo. Nessa sede, deverá o Tribunal verificar se a disciplina da gestação de substituição estabelecida pelo legislador nas citadas normas realiza uma ponderação adequada entre o direito contratual dos beneficiários – mas que também não deixa de corresponder a um interesse fundamental dos mesmos – à concretização do
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