TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
108 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «Independentemente da opinião que se tenha sobre eventuais riscos do recurso à gestação de substituição, uma delimitação tão estreita e excecional das condições e requisitos de acesso e, designadamente, a exigência da sua natureza absolutamente gratuita, podem retirar à proposta o caráter controverso que o tema potencialmente apre- senta. Eventuais riscos e dúvidas subsistentes respeitam sobretudo à diferente perceção dos efeitos indeterminados de instabilização que a admissibilidade, mesmo excecional, da gestação de substituição pode gerar na valoração social e simbólica da gravidez e da maternidade. Ora, não estando decisivamente em causa a afetação real e atual de princípios fundamentais, a subsistência daqueles riscos e dúvidas pode ser compensada pelos benefícios substanciais que uma gravidez de substituição legalmente configurada nestes termos pode proporcionar à vida concreta de algumas pessoas, pelo que, nestas condições, não haverá objeções éticas absolutas […]» [v. o seu Parecer n.º 63/CNECV/2012, ponto 2, al. a) , p. 9]. 29. O regime consagrado no artigo 8.º da LPMA evidencia uma preocupação em proteger a referida liberdade de ação da gestante de substituição, essencial à salvaguarda da sua dignidade. Na verdade, se e na medida em que a gestante intervém em todo o processo de gestação de substituição no exercício da sua auto- nomia, tal dignidade não é afetada. Daí o dever de proteção assumido pelo legislador em relação à gestante no âmbito do regime jurídico que permite a celebração de contratos de gestação de substituição. Um elemento essencial de tal proteção é a exigência e garantia de que a vontade da gestante não seja determinada por razões económico-financeiras: só são legalmente admissíveis acordos gratuitos (cfr. supra os n. os 9 e 24). A gratuitidade do contrato de gestação de substituição é, assim, a primeira garantia da liberdade de ação da gestante. Mas, além disso, o legislador também se preocupou em rodear de garantias adequadas a voluntariedade do compromisso assumido pela gestante, de modo a que o mesmo possa ser expressão livre do desenvolvi- mento da sua personalidade. Com efeito, o contrato de gestação de substituição não põe “frente a frente” apenas partes privadas; é um contrato marcado por uma intensa intervenção pública destinada a salvaguardar a dignidade dos contraentes, em especial da gestante – a parte que, por suportar mais riscos para a sua saúde e por assumir maiores condicionamentos para a sua vida, se apresenta como mais vulnerável. Nesse sentido, a lei autonomiza o consentimento da gestante de substituição do contrato a celebrar com os beneficiários e procedimentaliza a sua expressão de modo a assegurar que o mesmo seja informado e livre (cfr. supra o n.º 8). Aliás, como mostram os trabalhos preparatórios, desde o início que o consentimento informado se encontrou previsto autonomamente e foi objeto de disciplina própria; a referência autónoma ao contrato surgiu na sequência do veto do Presidente da República, como tentativa de satisfazer as con- dições 3.ª, 8.ª e 11.ª enunciadas no Parecer n.º 63/CNECV/2012. Com efeito, pode ler-se na Proposta de Alteração ao Decreto da Assembleia n.º 27/XIII apresentada pelo autor da iniciativa inicial, os Deputados do Bloco de Esquerda, que conduziu à aprovação do Decreto da Assembleia n.º 37/XIII, objeto de promulgação posterior: «Fica clarificado que no consentimento informado nos casos de gestação de substituição, tanto os beneficiários, assim como a gestante de substituição, são informados também do significado da influência da gestante de substi- tuição no desenvolvimento embrionário e fetal. Clarifica-se que o disposto na atual lei sobre consentimento informado se aplica também aos casos de gestação de substituição e, em concreto, à gestante de substituição (consentimento livre, esclarecido e de forma expressa por escrito, informação por escrito de todos os riscos e benefícios conhecidos resultantes da utilização de técnicas de PMA, livre revogação do consentimento até ao início dos processos terapêuticos de PMA). Torna-se explícita a necessidade de um contrato escrito estabelecido entre as partes e supervisionado pelo CNPMA onde devem constar as disposições a observar em caso de ocorrência de malformações ou doenças fetais e em caso de eventual interrupção voluntária da gravidez, sempre em conformidade com a legislação em vigor aplicável à situação.
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