TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

106 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da Constituição; quanto à referida Convenção, vide a Resolução da Assembleia da República n.º 56/2009 e o Decreto do Presidente da República n.º 71/2009; e sobre o conceito social de deficiência, vide Geraldo Rocha Ribeiro, “O sistema de proteção de adultos (incapazes) do Código Civil à luz do artigo 12.º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência” in Estudos em Homenagem ao Conselheiro Presidente Rui Moura Ramos, cit., pp. 1105 e seguintes, pp. 1107-1108 e 1111-1112). A referida perspetiva é acolhida, por exemplo, no direito da União Europeia [cfr. o acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de março de 2014, Z. (C-363/12), n. os 76 e 78-81; e, de modo especial, o n.º 93 das conclusões do Advogado-Geral apresentadas nesse processo]. De resto, ainda que numa perspetiva médica, esta foi uma consideração que também esteve presente no âmbito de iniciativas que culminaram na aprovação da Lei n.º 25/2016 [cfr. o Projeto de Lei n.º 131/XII, 2012, do Partido Socialista: «[o] interesse primordial em tratar da doença da infertilidade implica que em certos casos existam exceções à proibição do recurso à maternidade de substitui- ção [surgindo esta como] a última alternativa para superar a doença da infertilidade»]. Todavia, insista-se, nada disto implica a aceitação de um direito fundamental à procriação por via da gestação de substituição, que, de resto, devido à essencialidade da intervenção voluntária de uma mulher disposta a suportar a gravidez por conta dos beneficiários e a entregar a criança após o parto, o Estado jamais estaria em condições de satisfazer diretamente. E, mesmo admitindo já ad argumentandum tantum, a compatibilidade da gestação de substituição com a salvaguarda da dignidade humana, conforme exigido pelo artigo 67.º, n.º 1, alínea e) , da Constituição, a verdade é que o entendimento de que o acesso à PMA heteróloga não é constitucionalmente imposto (vide o Acórdão n.º 101/09) prejudica uma imposição desse tipo quanto à regulação da gestação de substituição, porquanto esta pressupõe o recurso àquela. E, de todo o modo, a relativa novidade de tal prática e as incertezas quanto aos efeitos, de longo prazo, da sua utilização apontam igualmente no sentido desse instituto jurídico não dever ter-se por constitucionalmente imposto. Assim, entende-se, mais modestamente, que a permissão a título excecional da gestação de substituição, nos termos do artigo 8.º da LPMA corresponde a uma opção do legislador que, além de não ser arbitrária, favo- rece bens constitucionalmente protegidos e, como tal, não deve ser afastada sem razões fortes. 28. Analisando agora, segundo a perspetiva da gestante, o modelo ou perfil de gestação de substituição consagrado no artigo 8.º da LPMA – que, recorde-se, reveste caráter subsidiário e excecional, assume uma natureza meramente gestacional, pressupõe o consentimento autónomo dos interessados destinado a garantir a sua voluntariedade e tem de ser formalizada por via de um contrato a título gratuito sujeito a autorização administrativa (cfr. supra o n.º 9) –, cumpre começar por recordar – e destacar – que aquela é (também) um sujeito ativo de todo o processo e que a sua participação voluntária é essencial para a concretização do mesmo. Como se referiu acima, a gestante e os beneficiários comprometem-se reciprocamente num projeto que em muitos aspetos essenciais é partilhado por todos (cfr. supra o n.º 24). E a motivação principal da intervenção da gestante não pode deixar de ser a resposta a um impulso de altruísmo, de solidariedade para quem, apesar de o querer e de eventualmente até dispor de parte do material genético indispensável para o efeito, não pode ter filhos por falta de útero ou devido a lesões ou doença deste órgão que impeça de forma absoluta e definitiva a gravidez. Ou seja – e este é já um segundo aspeto – a gestante aceita participar no projeto, porque quer entregar-se à tarefa de ajudar outros a superar dificuldades que estes só por si não são capazes de ultrapassar. Nesta medida, a gestante de substituição atua um projeto de vida próprio e exprime no mesmo a sua personalidade. Consequentemente, a intervenção no projeto parental dos beneficiários não se esgota no proveito para estes últimos, já que a própria gestante também retira benefícios para a sua personalidade, confirmando ou desenvolvendo o modo como entende dever determinar-se perante si e os outros. A sua gravidez e o parto subsequente são tanto instrumento ou meio, como condição necessária e suficiente de um ato de doação ou entrega, que, a seus olhos e segundo os seus próprios padrões éticos e morais, a eleva. E eleva-a igualmente perante aqueles que são por ela ajudados. Ora, a elevação da gestante de substituição,

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