TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
105 acórdão n.º 225/18 Problemático é saber até que ponto é que o direito a ter filhos envolve um direito à inseminação artificial hete- róloga […] ou à gestação por “mãe de aluguer”, afigurando-se, contudo, que a presente disposição constitucional só poderá oferecer algum subsídio para a questão em conjugação com os princípios da dignidade da pessoa humana e do Estado de direito democrático, que garantem simultaneamente a irredutível autonomia pessoal, bem como os seus limites […]» (v. Autores cits., Constituição… , cit., anot. X ao artigo 36.º, p. 567). No mesmo sentido, aponta Rui Medeiros: «O direito a constituir família significa, neste contexto [– a previsão do artigo 36.º, n.º 1, que abrange, ao lado da família conjugal, a família constituída por pais e filhos –] que todas as pessoas, independentemente de contraírem ou não casamento, têm um direito fundamental a procriar. […]. Naturalmente, como sucede com os direitos, liberdades e garantias em geral, não obstante o disposto no artigo 18.º, n.º 2, primeira parte, o direito de procriar não é absoluto. [... Pode, por isso, colocar-se a questão de saber se tal direito vale,] na perspetiva do acesso às técnicas de procriação medicamente assistida, quanto à questão da identificação das limitações à admis- sibilidade do recurso às referidas técnicas […]. Seja como for, as restrições do direito a procriar estão sujeitas aos limites constitucionais gerais e, em particular, ao princípio da proporcionalidade» (v. Autor cit. in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição… , cit., anot. VIII ao artigo 36.º, pp. 813-814; o mesmo Autor, ibidem , anot. XII ao artigo 67.º, p. 1366, afirma a relevância da PMA para a efetivação do direito fundamental a procriar, sem prejuízo de reconhecer também que inexiste «um direito a toda e qualquer procriação possível segundo o estado atual da técnica», visto que se excluem, à partida, aquelas que que sejam lesivas da dignidade da pessoa humana). Em especial, no que se refere à permissão legal da PMA heteróloga a título subsidiário, o Tribunal, no citado Acórdão n.º 101/09, considerou-a situada ainda «dentro da margem de livre ponderação do legislador», já que a mesma corresponde a uma dinamização do direito ao desenvolvimento da personalidade e do direito a constituir família dos beneficiários que não afeta o direito à identidade pessoal da criança a gerar. Se é certo que a procriação por via de ato sexual constitui uma dimensão óbvia do direito a constituir família consagrado no artigo 36.º, n.º 1, da Constituição, não é menos certo poder afirmar-se que, no âmbito de proteção desta norma constitucional, não se integra um direito subjetivo a toda e qualquer forma de procriação assistida, visto que o recurso à PMA se encontra objetivamente delimitado, a priori, pelos limites impostos pela dignidade da pessoa humana, conforme previsto no artigo 67.º, n.º 2, alínea e) , da Constituição. É evidente que a previsão de tal limite só terá sentido se a utilização de algumas dessas técnicas se incluir no âmbito do direito constitucional a constituir família. Todavia, como se disse, não resulta das normas constitucionais que tenham de ser todas as técnicas desenvolvi- das pela ciência. Pode, mesmo, duvidar-se da inclusão no direito fundamental do artigo 36.º, n.º 1, da Constitui- ção de quaisquer técnicas de procriação heteróloga; aliás foi esse o entendimento que acabou por se afirmar no já referido Acórdão n.º 101/09. Mas tal também não impediu o Tribunal de admitir a consagração legal de tal técnica, uma vez que, da circunstância de a mesma não ser constitucionalmente imposta, não se segue «que ela deva ser tida como contrária à Constituição». Estas mesmas considerações, não obstante a maior complexidade decorrente de a intervenção da gestante se somar à dos dadores de gâmetas, são transponíveis para uma justificação da admissibilidade, de princípio, da gestação de substituição, pois também esta visa possibilitar a concretização de um projeto parental e, consequentemente, tende a favorecer o acesso a um bem com relevância constitucional (família com filhos). Acresce que, perspetivada a impossibilidade de engravidar nos casos previstos no n.º 2 do artigo 8.º da LPMA à luz de um conceito social de deficiência, tal como consagrado no artigo 1.º, segundo parágrafo, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – aquelas pessoas «que têm incapacidades duradouras físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais, que em interação com várias barreiras podem impedir a sua plena e efetiva participação na sociedade em condições de igualdade com os outros» –, a gestação de substituição também pode constituir um importante fator de integração social (cfr. o artigo 71.º, n. os 1 e 2,
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