TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

101 acórdão n.º 225/18 chamada “fórmula do objeto” de Günter Dürig («a dignidade humana é atingida quando o ser humano em concreto é degradado [ herabgewürdigt ] a objeto, a um simples meio, a uma realidade substituível»). Fê-lo, entre outros, nos Acórdãos n. os 130/88, 426/91, 89/00 ou 144/04. Se é inerente ao ser-humano de cada um – ou seja, a todo e qualquer indivíduo da espécie humana – ter “direito a ter direitos” e, portanto, a qualidade de sujeito titular dos direitos que lhe asseguram o exercício da autonomia na definição e prossecução dos seus fins próprios – os direitos fundamentais –, daí decorre necessariamente que cada um enquanto ser humano não possa ser degradado, desde logo pelos poderes públicos, a mero objeto, isto é, não possa ser tratado como simples meio para alcançar fins que lhe sejam totalmente estranhos. É a partir desta conclusão que opera o critério de verificação da eventual violação da dignidade humana em torno da proibição de a pessoa ser reduzida a um simples instrumento de fins alheios e, nessa medida, coisificada e tratada como mero objeto (cfr. Reis Novais, A Dignidade da Pessoa Humana , vol. II, Almedina, Coimbra, 2017, p. 112). Ou seja, «a inconstitucionalidade advém do facto de a pessoa ser utilizada só como meio e, por isso, a atenção é funcionalmente colocada a incidir sobre a definição do que é um tratamento juridicamente censurável da pessoa como meio, como objeto, sobre o sentido dessa coisificação ou dessa instrumentalização» (vide idem , ibidem , p. 113). Por outro lado, e uma vez que o princípio da dignidade da pessoa humana também postula um valor intrínseco de cada ser humano, assumindo a sua integridade e uma capacidade de autodeterminação em razão da autonomia ética, não se pode excluir a relevância do consentimento livre e esclarecido de quem, relativamente a atuações ou situações que, sendo impostas e não consentidas, atentariam contra a dignidade do sujeito. Com efeito, mesmo reconhecendo poder haver exceções, o consentimento em causa, desde que temporário e não irremediavelmente lesivo da autodeterminação futura do sujeito, constitui, ele próprio, um modo legítimo de afirmação da dignidade humana. E esta vertente da dignidade humana – que também pode estar presente no quadro das relações entre os particulares e os poderes públicos – é fundamental para enquadrar as relações horizontais fundadas na autonomia dos sujeitos e frequentemente regidas por normas de caráter permissivo. Finalmente, importa não descurar a já mencionada importância do direito internacional e do direito comparado para a fixação de um standard tão universal como a dignidade do ser humano (cfr. os Acórdãos n.º 105/90, acima referido, e n.º 101/09, no trecho citado supra no n.º 6). A sua consideração permite pre- venir «pré-juízos paroquiais» ( parochiale Befangenheit ) e um «exacerbamento das peculiaridades jurídicas» nacionais: «Se não se quiser determinar a defesa da dignidade humana apenas a partir do contexto nacional e de con- dicionamentos históricos particulares, há que recorrer ao direito comparado. Tal é particularmente importante à medida que uma sociedade vai perdendo a sua homogeneidade de valores [ Werthomogenität ]. Em especial, o olhar sobre a legislação e a jurisprudência de outros países com elevados standards quanto às exigências de um Estado de direito (como é o caso dos Estados-Membros da União Europeia, dos EUA e outros Estados da família jurídica anglo-americana) assegura um significativo ganho de legitimidade e racionalidade. Precisamente quando se toma a sério a dignidade humana como um standard intangível e universalmente vinculativo, não se deve censurar precipi- tadamente como lesivos de tal dignidade modelos de regulação jurídica de outros modernos Estados de direito. De outro modo, corre-se o risco de a dignidade humana passar a alojar escalas de valor puramente nacionais» (assim, v. Matthias Herdegen in Maunz-Dürig Grundgesetz Kommentar, C.H.Beck, München, Lfg. 55, Mai 2009, Art. 1 Abs. 1, Rn. 43). B. 4.1. A questão da dignidade da gestante de substituição 23. No que se refere à gestante de substituição, consideram os requerentes que um acordo de gestação de substituição, independentemente de ser gratuito ou oneroso, implica a sua instrumentalização ao serviço de

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