TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
976 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Inexistindo na Lei n.º 4/83 uma definição do conceito de gestor público, tem este vindo a ser inter- pretado por referência ao diploma legislativo que o define expressamente: o Estatuto do Gestor Público (EGP), atualmente contido no Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, por último alterado pelo Decreto- -Lei n.º 39/2016, de 28 de julho. Ao abrigo do disposto no respetivo artigo 1.º, n.º 1, para os efeitos desse decreto-lei, «considera-se gestor público quem seja designado para órgão de gestão ou administração das empresas públicas abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro». O Decreto-Lei n.º 558/99 foi substituído pelo Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro, sendo que, ao abrigo do disposto no artigo 71.º, quaisquer remissões para o primeiro se consideram feitas para as disposições equivalentes do último. 8. Uma leitura sistemática do n.º 3 do artigo 4.º da Lei n.º 4/83 torna claro que a interpretação do conceito de gestor público a que ali se faz referência não se encontra meramente limitada pela potenciali- dade semântica dos vocábulos respetivos, tendo igualmente de ter em conta outros elementos normativos do sistema. Com efeito, estabelece-se aí que, além dos gestores públicos, são considerados titulares de altos cargos públicos, entre outros, os «[t]itulares de órgão de gestão de empresa participada pelo Estado, quando designados por este» [alínea b) ], e os «[m]embros de órgãos executivos das empresas que integram o setor empresarial local» [alínea c) ]. Temos aqui uma indicação clara de que a alínea a) se refere a um conceito restrito de gestor público, que se tem de conjugar com outras realidades, também elas respeitantes à gestão do interesse público num quadro empresarial. Os gestores abrangidos pelas alíneas b) e c) também são, num certo sentido – o da linguagem corrente –, gestores públicos. Todos eles gerem empresas em que o Estado ou alguma entidade pública – incluindo as autarquias locais – detém, a título maioritário ou minoritário, participações sociais. O alcance da referência contida na alínea a) é, assim, necessariamente mais restrito. Por outro lado, também as alíneas b) e c) aludem a conceitos não definidos na própria Lei n.º 4/83. Para a sua interpretação, é, do mesmo modo, imprescindível o recurso a diplomas extravagantes: no caso das «empresas participadas», as mesmas encontram-se definidas no artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 133/2013; quanto ao «setor empresarial local», trata-se de uma realidade igualmente abrangida por este diploma (cfr. o artigo 8.º, n.º 1) e sobre a qual dispõe especificamente a Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto (objeto de diversas alterações), lei que aprova o regime jurídico da atividade empresarial local e das participações locais. É, por conseguinte, manifestamente inadequado preencher o conceito de gestor público constante da Lei n.º 4/83 abstraindo do facto de no ordenamento jurídico existir uma norma em que se define expressa- mente tal conceito, ainda que para diferentes efeitos. 9. O recurso à norma contida no artigo 1.º, n.º 1, do EGP é imposto, desde logo, por ponderosas razões de certeza jurídica, concretizadas, nesta matéria da imposição de deveres de apresentação de declaração de património, rendimentos e cargos sociais – uma restrição ou limitação ao direito à reserva da vida privada (cfr., por todos, o Acórdão n.º 470/96) –, em exigências mínimas de tipificação do âmbito subjetivo de apli- cação da lei que os estabelece. Por outro lado, é esta a solução que melhor se articula com as restantes alíneas do n.º 3 do artigo 4.º da Lei n.º 4/83, nomeadamente com a alínea b) , respeitante, como vimos, às «empresas participadas» – afinal, estas últimas são, no âmbito do Decreto-Lei n.º 133/2013, definidas por contraposi- ção às empresas públicas, constituindo ambas o setor empresarial do Estado (cfr. os artigos 2.º, n.º 2, 5.º e 7.º deste diploma). Existe uma correspondência tendencial, ao nível conceptual, entre a Lei n.º 4/83, relativa ao controle público da riqueza dos titulares de cargos políticos, e os Decretos-Leis n. os 71/2007 e 133/2013, que aprovam, respetivamente, o EGP e o Regime Jurídico do Setor Público Empresarial. Que o conceito de gestor público deverá ser interpretado por referência à definição constante do EGP é, aliás, jurisprudência constante deste Tribunal, por último reiterada no Acórdão n.º 32/17. Nesse aresto, com efeito, o Tribunal, também no contexto da interpretação da alínea a) do n.º 3 do artigo 4.º da Lei n.º 4/83, veio negar relevância à norma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28 de julho, no n.º 2 do artigo
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