TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
97 acórdão n.º 786/17 ao receber a totalidade da parcela da retribuição correspondente ao seu coeficiente de incapacidade, obtém uma vantagem patrimonial em relação a uma situação hipotética de perda dessa parcela da retribuição e de recebimento de uma pensão por incapacidade parcial fixada em 70% daquela, de onde decorre que, com base numa conceção restrita de dano laboral, o fundamento da proibição de acumulação consagrada na alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º do RAS – e, em consequência, das restan- tes proibições de acumulação controvertidas nos presentes autos – é a garantia da intangibilidade da retribuição consagrada no artigo 23.º, n.º 4, do diploma. IX – Quanto à segunda parte do problema – a capacidade de ganho potencial – embora se possa pensar que o acidente de trabalho ou a doença profissional, ao deixar o trabalhador parcialmente incapacitado, constitui um obstáculo à progressão profissional dentro da Administração Pública, há relevantes dife- renças entre o trabalho comum e o trabalho em funções públicas que se projetam de modo decisivo no domínio dos infortúnios laborais. X – Dada a extensão do conteúdo funcional do trabalho em funções públicas, a incapacidade parcial do trabalhador não deve obstar a que este desempenhe funções compatíveis com a sua capacidade de trabalho residual, seja avaliado pelo desempenho no exercício de tais funções, progrida nas posições remuneratórias da sua categoria e possa ingressar, pela antiguidade ou por concurso, numa categoria superior dentro da sua carreira pluricategorial ou numa carreira superior àquela em que está inserido; por essa razão, no domínio das carreiras gerais, não faz sentido considerar a possibilidade de incapaci- dade absoluta para o trabalho habitual, ao contrário do que sucede no regime comum dos infortúnios laborais; sendo a norma, no emprego público, a de que não há «trabalho habitual», mas apenas cate- gorias funcionais genéricas, o sinistrado, ou se encontra incapacitado para todo e qualquer trabalho em funções públicas – caso em que a sua incapacidade é absoluta e importa a extinção do vínculo de emprego público –, ou não pode prestar somente alguns tipos particulares de trabalho – caso em que a sua incapacidade é parcial, não prejudicando o trabalho em funções compatíveis com a sua capacidade residual. XI – A única oportunidade profissional dentro da Administração Pública que um trabalhador vitimado por infortúnio laboral perde em qualquer circunstância, em virtude da incapacidade parcial que adquiriu, é a de vir a ingressar numa carreira especial cujo conteúdo funcional é essencialmente incompatível com a sua capacidade de trabalho residual; mas deve notar-se que esse prejuízo – relativamente extra- vagante – tem uma expressão negligenciável no quadro de um regime orientado, não para a indem- nização do lesado, mas para a garantia da sua subsistência continuada; além do mais, o facto de os sinistrados, no âmbito do RAS, manterem a totalidade do seu vencimento – em vez de receberem, como dispõe o regime comum, apenas 70% da parcela da retribuição correspondente à incapacidade –, constitui uma forma indireta de compensação desse dano intersticial. XII – Resulta do exposto, que a alteração operada pela Lei n.º 11/2014 no regime da acumulação de presta- ções constante do artigo 41.º do RAS, se destinou a corrigir um desequilíbrio no regime anterior, que permitia que o trabalhador parcialmente incapacitado por infortúnio laboral, pese embora a intangi- bilidade da retribuição, regalias e oportunidades profissionais que tinha no momento da ocorrência do acidente ou do diagnóstico da doença, recebesse uma pensão cuja função é exclusivamente a de compensar uma perda de capacidade de ganho; através desta alteração, o legislador restaurou, dentro dos quadros próprios do RAS, a harmonia funcional do sistema de proteção dos servidores públicos em caso de infortúnio laboral, impondo-se concluir que as normas sob apreciação não violam o direito
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