TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
961 acórdão n.º 660/17 expediente. Entender que pode ser praticado por correio eletrónico mas está sujeito ao horário da secretaria é que não pode ser aceite, pois se o ato pode ser praticado por via eletrónica é porque não implica a receção pelos serviços de quaisquer articulados, requerimentos ou documentos. Ao aplicar o disposto no artigo 229.º, n.º 2, da LEOAL, à determinação do termo do prazo para a interposição para o Tribunal Constitucional de um recurso contencioso eleitoral (artigo 158.º da LEOAL), o Tribunal confunde atos que podem ser transmitidos por via eletrónica com atos que exigem a receção por parte da secretaria. O Tribunal Constitucional assume que num caso de entrega de documento por telecópia ou correio eletrónico existe uma “intervenção de entidades ou serviços públicos”. Certo é que o Tribunal nunca explicitou, como de resto também não o faz no acórdão ora proferido, qual a concreta intervenção dos serviços que possa estar implicada num caso como este que se traduz na apresentação de um requerimento de recurso. A partir do momento em que se passou a admitir a prática de atos processuais por transmissão eletrónica é a data da respetiva expedição que vale como sendo a da prática do ato (cfr. artigo 144.º, n.º 1, do CPC). Assim, parece ser dispensável a prática de um qualquer ato burocrático de certificação da sua entrada (como a aposição de “carimbo de entrada”). A posição da maioria ignora, assim, a razão de ser daquela previsão legal, pois não toma em conside- ração a verificação do pressuposto de aplicação – a necessidade de uma efetiva intervenção da secretaria. A consequência desta orientação jurisprudencial é também problemática deste logo porque pode redundar, na prática, numa efetiva diminuição do prazo para interpor recurso, o que nos prazos mais curtos implica uma diferença ainda mais significativa. Basta o início da respetiva contagem ter lugar fora do horário de expe- diente das secretarias judiciais para um prazo poder ficar reduzido em várias horas. Exemplos de situações semelhantes à descrita podem ser encontrados nos Acórdãos n.º 208/15 e n.º 209/15, proferidos no âmbito da Lei Eleitoral da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (aprovada pela Lei Orgânica n.º 1/2006, de 13 de fevereiro, [LEALRAM]). Efetivamente, a questão interpretativa descrita no presente voto também se coloca no contencioso eleitoral no âmbito da LEALRAM. 5. Resta, assim, o argumento, invariavelmente repetido, da justificação do entendimento perfilhado pelo Tribunal nas “particulares razões de celeridade que se impõem nas diferentes fases do processo eleitoral sob pena de se tornar inviável o calendário fixado para os diversos atos que integram o processo eleitoral”. No entanto, a urgência do processo eleitoral não pode servir de justificação para dificultar de forma injustificada o acesso à justiça no âmbito do respetivo contencioso. Acompanhando, mais uma vez, a decla- ração de voto de Mário Torres já acima aludida, sempre se adiantará que não sendo de excluir a possibilidade de surgirem específicas situações ao longo do processo eleitoral a impor tratamento urgente para viabilizar o calendário fixado, tal não justifica, porém, «a acrítica extensão de um entendimento rigoroso das regras de contagem de prazos a situações onde nenhum prejuízo para a celeridade do procedimento advirá com a adoção de critérios menos estritos». Efetivamente, aceitando-se sem pejo a importância da segurança jurídica e da celeridade neste contexto, não se pode esquecer que nos movemos no âmbito dos direitos de participação política dos cidadãos – nomeadamente o direito de eleger e de ser eleito, mas também o direito de acesso dos cidadãos aos tribunais da República para a fiscalização da legalidade do ato eleitoral. O entendimento adotado na jurisprudência do Tribunal Constitucional é restritivo deste direito. Ora, na ponderação que deve ser feita entre o direito de acesso à justiça neste domínio e os valores colocados no outro prato da balança, não creio que tal restrição se encontre justificada. – Maria de Fátima Mata-Mouros. Anotação: Acórdão publicado no Diário da República , II Série de 31 de outubro de 2017.
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