TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

96 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III – O direito fundamental à justa reparação por infortúnio laboral é um dos direitos fundamentais dos trabalhadores elencados no artigo 59.º da Constituição, no Capítulo relativo aos direitos e deveres económicos, correspondendo o conteúdo do direito consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f ) , da Constituição, à função desempenhada pelo instituto da reparação por infortúnio laboral; é, em termos aproximados, o direito a que seja preservada a função essencial desse instituto, constituindo tal direito uma garantia de reparação do dano laboral, o mesmo é dizer, de reconstituição ou de compensação da capacidade de ganho perdida pelo trabalhador em virtude de ter sofrido um acidente de trabalho ou de ter contraído uma doença profissional. IV – No âmbito deste processo, o Tribunal não vê qualquer utilidade em se pronunciar sobre a exata ques- tão da noção de perda de capacidade geral de ganho, o mesmo é dizer, de dano laboral; qualquer que seja a conceção de dano laboral adotada – restrita ou ampla –, o sentido da decisão sobre a constitucio- nalidade das proibições de acumulação introduzidas no RAS pela Lei n.º 11/2014, de 6 de março, é o mesmo, pelo que, neste âmbito, a questão da definição de dano laboral, para efeitos da determinação do conteúdo do direito fundamental a assistência e justa reparação, reveste-se de interesse teórico. V – Os trabalhadores da Administração Pública são titulares do direito fundamental à assistência e repa- ração em caso de infortúnio laboral, direito que impõe a reconstituição ou compensação da perda de capacidade de ganho da vítima de acidente de trabalho ou doença profissional; no entanto, não lhes é aplicável, em geral, o regime comum dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, sendo os infortúnios laborais no setor público objeto de um regime especial. VI – A pensão por incapacidade destina-se a reparar o dano laboral, consubstanciado na perda de capacida- de de ganho do trabalhador vitimado por acidente de trabalho ou doença profissional; sucede que os trabalhadores da Administração Pública, em virtude das características próprias do emprego público, não sofrem, normalmente, qualquer redução da capacidade de ganho quando vítimas de infortúnio laboral que os deixa parcialmente incapacitados; por outras palavras, no emprego público não se verifica, em princípio, dano laboral, nos casos de incapacidade permanente parcial; é por essa razão que o artigo 41.º, n.º 1, alínea b) , do RAS, na versão que resultou da Lei n.º 11/2014, suspende o pagamento da pensão por incapacidade: sendo o pressuposto do direito a esta a existência de um dano laboral, não faz sentido que a mesma seja paga em circunstâncias – aquelas que caracterizam a relação jurídica de emprego público – que impedem a produção desse dano. VII – Para demonstrar que os acidentes de trabalho e as doenças profissionais parcialmente incapacitantes não produzem dano laboral, é conveniente dividir o problema em duas partes: a capacidade de ganho atual, que se prende com a capacidade de o trabalhador manter a sua remuneração, e a capacidade de ganho potencial, que se prende com a capacidade de o trabalhador manter as suas oportunidades pro- fissionais; quanto à capacidade de ganho atual, a impossibilidade de verificação de um prejuízo resulta simplesmente da intangibilidade da retribuição, assegurada pelo n.º 4 do artigo 23.º do RAS, não tendo a perda definitiva de capacidade de trabalho qualquer consequência no estatuto remuneratório do sinistrado; este continua, ainda que venha a ocupar funções diversas e a beneficiar de horário de trabalho reduzido, a manter a totalidade da retribuição e todas as regalias correspondentes à categoria que integra e à posição remuneratória que ocupa. VIII– Em suma, no que diz respeito a ganhos atuais, a perda definitiva de capacidade de trabalho não oca- siona a perda definitiva de capacidade de ganho; pelo contrário, o trabalhador em funções públicas,

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