TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
92 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do património, que ocorre com desrespeito pela vontade municipal, quando em tal solução coletiva devam participar os municípios. Quando se opte por fazer participar os municípios numa solução organizatória supramuncipal, provendo a um interesse que é um interesse também nacional, a sua cooperação exige que se respeite também a sua vontade, designadamente no que ao seu património diz respeito. 4. Esta afetação da vontade negocial do município e do respetivo património, traduzida no ver ser extinta a anterior sociedade e a participação social de cada município nela, na obrigação de participar no novo sistema multimunicipal, na transferência do património municipal (incluindo as infraestruturas com que os municípios participam), que têm lugar sem o acordo dos municípios, assim como a obrigatoriedade de o município celebrar contrato com esta entidade concessionária nova, é inconstitucional, por violação do princípio da autonomia local. A meu ver, a solução adotada através das normas impugnadas é inconstitucional porque o Governo intervém sobre a vontade negocial de uma autarquia local, impondo-lhe obrigações de contratar, intervindo unilateralmente sobre as empresas em que participam, e sobre o património municipal, inclusivamente des- respeitando a equivalência entre participações sociais antigas e novas, desde logo, porque existiam sistemas deficitários coexistindo com outros que o não eram, sem que se tivesse previsto uma garantia justa de avalia- ção e de compensação patrimonial. 5. Note-se que o facto de os municípios poderem declarar que pretendem alienar a sua participação na nova sociedade não contraria a circunstância de que o Governo dispôs unilateralmente das participações sociais destas autarquias, extinguindo as sociedades, e que não é respeitada a necessária equivalência entre a participação social nova, unilateralmente atribuída, e a antiga. Aquela possibilidade, em vez de servir de res- paldo, confirma a violação do princípio da autonomia local: os municípios são confrontados com a escolha entre, ou aceitar as novas obrigações unilateralmente definidas, ou vender as participações sociais, sem que neste caso esteja previsto um mecanismo que garanta o equilíbrio de uma compensação. 6. Assim, a solução legislativa, ao desrespeitar a autonomia patrimonial e negocial dos municípios, viola o princípio da autonomia local, e viola o direito de propriedade das autarquias locais. Em suma, não tendo os municípios participado nesta tomada de decisão, manifestando-se quanto à extinção da sociedade de que detinham participações sociais e à criação da nova, ou quanto à transferência e avaliação das suas participações, assim como relativamente a terem de suportar atividade deficitária de outros municípios, e não existindo um mecanismo de compensação, baseado num modelo justo de avaliação, que pudesse suportar o encargo resultante do património afetado, é quanto basta para que se considere violado o princípio da autonomia local, mesmo num contexto em que exista um interesse supramunicipal a prover. – Catarina Sarmento e Castro. DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencido quanto à declaração de não inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 18.º dos Decretos-Leis n. os 92/2015 e 93/2015, de 29 de maio [alíneas c) e d) da decisão] e do n.º 1 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 94/2015, de 29 de maio [alínea e) da decisão], por entender que viola o princípio da autonomia local. A norma constante desses preceitos prescreve o seguinte: «(s)ão afetos ao sistema as infraestruturas e outros bens e direitos dos municípios, de entidades de natureza intermunicipal e de quaisquer entida- des gestoras dos respetivos sistemas municipais que, não estando afetos aos sistemas agregados, se revelem
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