TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
91 acórdão n.º 707/17 indemnização. Os fins da atuação das entidades públicas, no contexto de um Estado de direito, não podem justificar a utilização de quaisquer meios. – Maria de Fátima Mata-Mouros. DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Fiquei vencida, pois votei no sentido da inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 1.º, 2.º, 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 11.º, 12.º, 13.º, 15.º, 16.º, 30.º e 31.º do Decreto-Lei n.º 92/2015, de 29 de maio e respetivo anexo, nos artigos 1.º, 2.º, 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 11.º, 12.º, 13.º, 15.º, 16.º, 30.º e 31.º do Decreto-Lei n.º 93/2015, de 29 de maio e respetivo anexo, e nos artigos 1.º, 2.º, 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 19.º, 20.º, 22.º, 39.º e 40.º do Decreto-Lei n.º 94/2015, de 29 de maio, e seu anexo I, por violação do princípio da autonomia local. 2. Os Decretos-Leis mencionados instituem os sistemas multimunicipais de abastecimento de água e de saneamento do Centro Litoral de Portugal, do Norte de Portugal, e de Lisboa e Vale do Tejo, resultando cada um destes sistemas da agregação de outros sistemas multimunicipais que os antecederam, e que os mesmos diplomas extinguem agora. As normas deles constantes também criam empresas concessionárias de cada um dos novos sistemas, ao mesmo tempo que extinguem as sociedades concessionárias dos sistemas que agora desaparecem. Os diplomas fazem, igualmente, cessar os contratos de concessão relativos aos sistemas agregados, atribuindo a concessão da exploração e gestão dos sistemas multimunicipais às sociedades novas constituídas para o efeito. Ora, todas estas opções têm lugar mediante intervenção unilateral do Governo – designadamente, con- tornando as regras societárias que não lhe conferiam a maioria necessária para extinguir as sociedades res- petivas por sua exclusiva vontade, para tal dependendo de votos dos municípios –, mediante aprovação das normas constantes dos referidos decretos-leis, sem manifestação relevante da vontade das autarquias em causa, pondo em causa a autonomia local. Em virtude das novas soluções unilateralmente adotadas, procede-se à extinção de direitos patrimoniais dos municípios sobre participações sociais nas empresas públicas extintas, bem como à atribuição de novas participações nas novas empresas agora criadas, e à afetação forçada de infraestruturas e de outros bens e direitos dos municípios (veja-se, de modo especial, o artigo 18.º). Tais soluções são impostas por decreto-lei, sem necessidade de manifestação de vontade vinculativa do município ou, sequer, do estabelecimento de um mecanismo que permitisse ao município obter uma justa indemnização pela afetação dos seus direitos, e, em geral, do seu património. 3. Não se afasta que a criação/extinção de um sistema destinado a prover ao serviço de abastecimento de água e de saneamento possa ser competência do Estado: este tem por atribuição a defesa do interesse nacional subjacente ao serviço global de abastecimento de água e de saneamento (sendo, no caso, o objetivo da criação dos sistemas multimunicipais), assim como a procura de uma solução global para esses serviços, por estar em causa um interesse público também nacional, que transcende o interesse de nível municipal, bem como a rea- lização de um interesse nacional de maior eficiência, de economia de escala, de sustentabilidade económico- -financeira e ambiental dos sistemas, de redução de assimetrias litoral/interior, e de coesão do território. Con- tudo, não se admite, diferentemente do acórdão, que esta criação/extinção (e a concomitante criação/extinção das sociedades concessionárias correspondentes) possa ser decidida exclusivamente pelo Estado, no caso, pelo Governo no papel de legislador, sem o acordo dos municípios, quando, na solução organizatória pretendida, estes, os interesses dos seus munícipes, e o seu património, sejam especialmente envolvidos e afetados, não sendo devidamente compensados. Ou seja, não se põe em causa que os interesses envolvidos possam obrigar a uma definição supralocal das soluções, e, até, à cooperação dos municípios. O que se reputa inconstitucional é a pretensão de escolha unilateral do seu desenho, das obrigações que lhe são subjacentes, e da inerente afetação
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