TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

860 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL autarquias dos poderes que a Constituição lhes devolveu. Por outras palavras, ao assegurar que os candidatos eleitorais aos órgãos autárquicos reúnem condições objetivas para prosseguirem, de forma idónea e indepen- dente, o interesse público, o regime da inelegibilidade dos insolventes constitui uma garantia de que o poder local tem a capacidade de desempenhar a função administrativa que lhe foi confiada através da devolução de poderes originários da comunidade nacional. Trata-se, pois, de uma solução que não se pode reputar de inexigível ou desproporcionada, contendo-se nos limites impostos pelo princípio da proibição do excesso. 13. O recorrente defende que a norma sob escrutínio viola o princípio geral da igualdade, consagrado no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição, na medida em que a inelegibilidade nela consagrada diz apenas res- peito à eleição para órgãos de autarquias locais e não a quaisquer outras eleições, designadamente de âmbito nacional ou regional. Vejamos. É verdade que a insolvência não constitui causa de inelegibilidade senão nas eleições para os órgãos das autarquias locais, como resulta da análise da Lei Eleitoral para a Assembleia da República (Lei n.º 14/79, de 16 maio, com as sucessivas alterações), da Lei Eleitoral do Presidente da República (Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de maio, com as sucessivas alterações), das Leis Eleitorais das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira (Decreto-Lei n.º 267/80, de 8 agosto e Lei Orgânica n.º 1/2006, de 13 de fevereiro, respetivamente) e da Lei da Eleição para o Parlamento Europeu (Lei n.º 14/87, de 29 de abril, com as sucessivas alterações). Resta determinar se tal diferença de tratamento entre os candidatos a órgãos autárquicos e candida- tos a outros cargos eletivos ofende o princípio da igualdade. Sobre o alcance do princípio geral da igualdade enquanto norma de controlo judicial do poder legisla- tivo, escreveu-se no Acórdão n.º 409/99: «O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente dife- rente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adoção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fun- damentação razoável, objetiva e racional. O princípio da igualdade enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio.» A questão que se coloca é a de saber se, ao permitir que cidadãos insolventes sejam ou não elegíveis consoante pretendam candidatar-se a eleições para os órgãos das autarquias locais ou a eleições para qual- quer outro cargo eletivo, a lei estabelece entre eles uma distinção arbitrária, porque destituída de qualquer fundamento racional. Para responder a tal questão, é indispensável que se determine qual o tertium comparationis entre os sujeitos a tratamento diferente pela lei. Ora, o recorrente parte do pressuposto erróneo de que o termo de comparação relevante é, simplesmente, a dupla condição de insolvente e de candidato, quando se trata, na verdade, da natureza da função servida e do fundamento do poder exercido pelos titulares dos cargos abran- gidos pela inelegibilidade. Com efeito, os fundamentos, as atribuições e competências dos órgãos das autarquias locais são substan- cialmente diversos dos demais órgãos eletivos, designadamente o Presidente da República e a Assembleia da República, as Assembleias Legislativas Regionais e o Parlamento Europeu, o que justifica diferentes categorias de inelegibilidades. É essa diversidade que explica, por exemplo, que a lei estabeleça um amplo catálogo de inelegibilidades para o cargo de Presidente da República (artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de maio) que não se verificam no que respeita a qualquer outro cargo eletivo e que encontram fundamento mate- rial nas características próprias da função de Chefe de Estado. No caso da inelegibilidade dos insolventes para os órgãos autárquicos, o que conta é o facto de a autonomia local ser a forma privilegiada de descentralização

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