TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

859 acórdão n.º 532/17 proporcionalidade. O subprincípio da idoneidade determina que o meio restritivo escolhido pelo legislador não pode ser inadequado ou inepto para atingir a finalidade a que se destina; caso contrário, admitir-se-ia um sacrifício frívolo de valor constitucional. O subprincípio da exigibilidade determina que o meio escolhido pelo legislador não pode ser mais restritivo do que o indispensável para atingir a finalidade a que se destina; caso contrário, admitir-se-ia um sacrifício desnecessário de valor constitucional. Finalmente, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito determina que os fins alcançados pela medida devem, tudo visto e ponderado, justificar o emprego do meio restritivo; o contrário seria admitir soluções legislativas que impor- tem um sacrifício líquido de valor constitucional. A inelegibilidade dos insolventes para os órgãos autárquicos constitui um meio inequivocamente idó- neo à prossecução dos princípios da vinculação da Administração Pública ao interesse público e da isenção e independência no exercício dos cargos públicos, na medida em que obsta a que o cargo eletivo possa vir a ser ocupado por quem não reúne condições objetivas para o seu exercício idóneo e independente. De resto, sempre que as rationes ou os teloi de uma solução legal não sejam explicitadas pelo legislador – como é o caso –, sem que o intérprete deixe de as discernir através de um juízo de racionalidade instrumental, como aquele que se desenvolveu no ponto anterior, encontra-se, em princípio, preenchido o requisito da idoneidade da medida. Mais complexa é a análise da solução legal nos planos – neste contexto, praticamente incindíveis – da exigibilidade e da proporcionalidade. Pode parecer que os desideratos que o legislador terá tido em vista podem ser adequadamente assegurados através de uma solução não apenas menos restritiva do direito de sufrágio passivo dos insolventes, mas diretamente imposta pelo princípio democrático, nomeadamente atra- vés da sua refração no princípio constitucional da autonomia do poder local (artigos 6.º e 295.º, n.º 1). Tal solução seria a obrigatória divulgação pública da declaração de insolvência do candidato, cabendo aos eleitores a ponderação da relevância desse facto, através do exercício do seu direito de sufrágio ativo. Na verdade, parece difícil conciliar a inelegibilidade dos insolventes, estabelecida no interesse da idoneidade e da independência no exercício do poder local, com a afirmação constitucional expressa de que as «[a]s autarquias locais são pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas» (artigo 235.º, n.º 2). Sendo a essência da democracia o autogoverno coletivo, cabe perguntar se não compete às comunidades locais – e a elas apenas – escolher os seus representantes para a prossecução dos seus interesses; e se é assim, sem dúvida que a inelegibilidade dos insolventes é uma medida excessiva, por desnecessária e desproporcionada, por mais benévolas e legítimas que sejam as suas razões. Ora, este modo de ver as coisas parte de uma conceção inadequada dos fundamentos constitucionais do poder local. A Constituição consagra expressamente os princípios da soberania popular (artigos 1.º e 2.º) e da unidade do Estado (artigo 6.º). De tais princípios decorre que a autonomia local não é um poder origi- nário – anterior à ordem constitucional e concorrente da vontade popular –, mas um poder devolvido pela comunidade nacional às comunidades locais, para que estas se autogovernem nas matérias que lhes dizem especificamente respeito. Ora, esta devolução de poder às autarquias não pode, pela sua própria natureza, deixar de conhecer limites e condições que relevam da própria Constituição. Por um lado, ela está confinada ao domínio da função administrativa do Estado, pelo que as autarquias locais estão sujeitas à vontade política do legislador estadual e ao poder de tutela do Governo sobre a administração autónoma. Por outro lado, a autonomia de que gozam as autarquias baseia-se no pressuposto de que as comunidades locais têm a capa- cidade de se autogovernarem – exercendo competências próprias e administrando recursos públicos –, sem prejuízo para a solidariedade nacional e a unidade do Estado que a Constituição postula. A autonomia local é, por tudo isto, limitada e condicionada pela vontade geral na qual exclusivamente se funda e pela unidade do Estado no qual se repercutem, em última instância, as consequências do seu eventual descalabro. É a esta luz que se deve compreender a função da inelegibilidade estabelecida pela alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º da LEOAL. A restrição que ela impõe à autonomia das comunidades locais destina-se a prevenir a degeneração da administração local e a reforçar a confiança da comunidade nacional no exercício pelas

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