TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

858 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL termos do artigo 186.º do CIRE, pressupõe o dolo ou culpa grave do devedor, o que significa que é ainda qualificada como fortuita a situação de insolvência que tenha sido provocada por simples imprudência, o que será verdade, segundo a experiência comum, num número significativo de casos. Ora, não encerrando a ine- legibilidade dos insolventes para os órgãos autárquicos – como bem assinalou o Acórdão n.º 533/13 – qual- quer juízo de censura sobre a gestão patrimonial dos visados, mas apenas o desiderato de tutelar a vinculação da função administrativa ao interesse público, a lei reflete a presunção da falta de idoneidade dos insolventes para participarem no exercício do poder local. Em suma, em causa está o princípio constitucional da prosse- cução do interesse público pela Administração Pública, consagrado no artigo 268.º da Constituição. Em segundo lugar, a jurisprudência constitucional ancora a inelegibilidade dos insolventes na garantia de independência no exercício do poder local. Por um lado, a insolvência constitui uma situação de debili- dade económica, traduzida na incapacidade patrimonial do devedor para cumprir as obrigações vencidas; o insolvente encontra-se, por isso, numa posição de especial vulnerabilidade, da qual resulta um risco acrescido de abuso de poder e de gestão danosa.  Por outro lado, o decretamento judicial da insolvência e a subsistên- cia de tal estado implicam, para o visado, um extenso conjunto de restrições, entre as quais as seguintes: (i) o domicílio do visado é judicialmente fixado pelo Tribunal – artigo 36.º, n.º 1, alínea c) , do CIRE; (ii) os seus bens são apreendidos, para imediata entrega ao administrador da insolvência, que deles fica constituído na qualidade de depositário – artigo 150.º do CIRE; (iii) a sua contabilidade é apreendida, para imediata entrega ao administrador da insolvência – artigo 36.º, n.º 1, alínea g) , do CIRE; (iv) o administrador de insolvência toma conhecimento de todas as informações patrimoniais do visado, nos termos do artigo 24.º do CIRE; (v) o insolvente fica privado dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais, com as exceções legais, passam a competir ao administrador da insolvência – artigo 81.º, n.º 1, do CIRE; (vi) ao insolvente fica interditada a cessão de rendimentos ou a alienação de bens futuros suscetíveis de penhora, qualquer que seja a sua natureza, mesmo tratando-se de rendimentos que perceba ou de bens que adquira posteriormente ao encerramento do processo – artigo 81.º, n.º 2, do CIRE; (vii) o administrador da insolvência dispõe de poderes para desistir, confessar ou transigir, mediante concordância da comissão de credores, em qualquer processo judicial em que o insolvente seja parte – artigo 55.º, n.º 8, do CIRE; (viii) o insolvente fica obrigado a apresentar-se pessoalmente no tribunal, sempre que a apresentação seja determinada pelo juiz ou pelo administrador da insolvência, salva a ocorrência de legítimo impedimento ou expressa permissão de se fazer representar por mandatário – artigo 83.º, n.º 1, alínea b) , do CIRE; e (ix) os negócios jurídicos celebrados pelo insolvente, quer estejam em curso, quer tenham sido celebrados em determinados prazos anteriores ao decretamento da insolvência, podem ser modificados ou resolvidos pelo administrador da insolvência, nos termos definidos nos artigos 102.º a 127.º do CIRE. De tudo isto decorre que o insolvente está numa situação de dependência sistemática em relação a terceiros em matéria de administração pessoal – uma verdadeira e própria capitis deminutio –, situação essa que o legis- lador presume dificilmente conciliável com a expectativa de independência que a comunidade deposita nos titulares de órgãos da administração local. Em suma, em causa está a garantia de isenção e de independência no exercício de cargos públicos. 12. Do exposto resulta que a inelegibilidade estabelecida no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) , da LEOAL, encontra fundamento no n.º 1 do artigo 268.º e no n.º 3 do artigo 50.º da Constituição. Cabe agora apre- ciar se a restrição do direito de sufrágio passivo que a mesma consubstancia observa os limites impostos pelo princípio da proibição do excesso. Com efeito, o princípio da proibição do excesso incide sobre medidas legislativas não liminarmente interditadas pela Constituição e que prosseguem finalidades legítimas através de meios restritivos: finalidades legítimas, no sentido em que não são constitucionalmente proscritas; meios restritivos, porque implicam a ablação ou restrição de direitos ou interesses fundamentais. É precisamente esse o caso, como vimos, da solução acolhida no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) , da LEOAL. Como reconhece, há muito, a jurisprudência constitucional (vide, por todos, o Acórdão n.º 187/01), o princípio da proibição do excesso analisa-se em três subprincípios ou «testes»: idoneidade, exigibilidade e

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