TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
857 acórdão n.º 532/17 Não se vê qualquer razão para distinguir entre as situações de inelegibilidade ab initio – em que a pessoa não pode ser eleita para salvaguarda da transparência, isenção e imparcialidade no exercício de cargo público nos órgãos do poder local – e a inelegibilidade após a eleição de pessoa que, pela qualidade de funcionário dos órgãos representativos das freguesias e dos municípios, não garante essas mesmas características no desempenho das suas funções, independentemente de um juízo de culpa sobre a sua atuação concreta.» Do que se trata, em face do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) , da LEOAL, é pois da relação estabele- cida entre as funções de administração pública a desempenhar pelo candidato, se eleito, e a gestão dos seus bens patrimoniais (dos seus rendimentos) na esfera privada. A inelegibilidade dos insolventes prende-se pois com a necessidade de garantir, com independência e plena capacidade de gestão, a administração financeira dos bens públicos que lhe vai ser confiada no cargo para o qual serão eleitos. Trata-se da gestão de património financeiro, em grande medida determinado pelas receitas cobradas aos contribuintes/eleitores, o que justifica exigir o legislador a observância de um certo rigor na gestão privada dos bens e rendimentos do eleito e a garantia de capacidade para o efeito, o que não acontece em face das obrigações e efeitos decorrentes da decisão liminar de exoneração do passivo restante nos termos do CIRE em vigor.» O recente Acórdão n.º 495/17 também se debruçou sobre a questão dos fundamentos da causa de ine- legibilidade prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º da LEOAL, nele se afirmando o seguinte: «Articulada com esta perspetiva, a previsão da inelegibilidade do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) , da LEOAL não é alheia a considerações e interesses que, para além da prevenção de comportamentos eventualmente motivados pela vulnerabilidade patrimonial dos titulares de órgãos autárquicos, se articulam também com preocupações gerais relacionadas com a confiabilidade e boa fé e a consequente segurança quanto à diligência e lisura de com- portamentos e quanto à competência, responsabilidade e empenho no âmbito de atuações na sua esfera de atuação económico-patrimonial de quem vai ter a seu cargo a administração de verbas e interesses públicos. Recorde-se que, no exercício das suas funções, os titulares de órgãos autárquicos estão obrigados a prosseguir o interesse público – e só esse –, devendo atuar sempre com respeito pelos princípios da justiça, da imparcialidade (na sua dupla vertente negativa e positiva) e da boa fé (cfr. o artigo 266.º da Constituição). Em suma, a dependência da elegibilidade para os órgãos das autarquias locais de quem tenha sido declarado falido ou insolvente de um juízo positivo de reabilitação nos termos expostos torna claro que só deve poder ser eleito para tais órgãos quem, seja pela superação da vulnerabilidade da respetiva situação patrimonial, seja pela expectativa quanto à correção e lisura da sua atuação na vida económica, possa criar na comunidade a confiança quanto à isenção e independência no exercício do cargo cuja eleição esteja em causa. A plena reintegração do falido na vida económica – indispensável à sua reabilitação – constituía, na verdade, um importante fator para a criação de tal confiança.» 11. A jurisprudência citada reconduz a inelegibilidade dos insolventes para os órgãos autárquicos, no essencial, a duas ordens de valor constitucional. Em primeiro lugar, à noção de que a declaração de insolvência constitui um indício forte de que o visado revelou, no passado recente, imprudência e ineptidão na gestão do seu património. Ora, sendo a gestão da coisa pública intrinsecamente mais complexa no plano técnico e mais exigente no plano moral do que a gestão do património pessoal – a primeira pela natureza dos meios envolvidos e a abrangência da atividade desenvolvida e a segunda pelo facto de implicar a administração de recursos públicos vinculada ao interesse público –, o legislador presume que os insolventes não possuem as qualidades indispensáveis ao exercício idóneo da função administrativa confiada às autarquias locais. É certo que esta caracterização parece assentar nos pressupostos específicos da insolvência culposa, o que contradiz o facto de a inelegibilidade se estender indiferenciadamente aos casos de insolvência fortuita. Porém, o facto de a insolvência ser fortuita não implica de modo algum que ela não tenha resultado de gestão imprudente; com efeito, a insolvência culposa, nos
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