TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

849 acórdão n.º 532/17 ii. De resto, tem sido reconhecido (e foi assumido no despacho reclamado) que a teleologia de tal norma não é, de todo, salvaguardar essa liberdade ou isenção, mas sim prevenir uma eventual má gestão da coisa pública a partir da inferência feita sobre o insucesso na esfera patrimonial privada – tendo sido com esse sentido que tal norma foi aplicada nos despachos de 17 e 24 de agosto do Juízo Local Cível de Ourém (este proferido em reclamação apresentada do primeiro). D. A norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º da LEOAL estabelece uma inelegibilidade para os órgãos autárqui- cos com fundamento na situação patrimonial dos candidatos – o que é diretamente proibido pela lei constitu- cional (artigo 13.º, n.º 2, da CRP). E. Para mais, ao fazê-lo só em relação às eleições para os órgãos autárquicos (e, nestes, para todos, mesmo quando não dotados de responsabilidades executivas) incorre em acrescidas violações do mesmo princípio constitucio- nal da igualdade. F. Ao estabelecer uma inelegibilidade para os órgãos autárquicos com fundamento numa presunção de má gestão futura da coisa pública, inferida da situação prévia de falência ou insolvência dos candidatos, a norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º da LEOAL incorre ainda em violação múltipla do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP: a. Antes de mais, porque a primeira exigência das normas restritivas de direitos é a da legitimidade do fim, e a delimitação constitucional dos possíveis fins das restrições ao acesso aos cargos eletivos não contempla o fim que a norma pretende salvaguardar.  b. Em segundo lugar, porque não há adequação entre meio (a inelegibilidade criada) e fim (a salvaguarda da gestão futura da coisa pública); Falha, portanto, o subprincípio da adequação. c. Depois, porque – mesmo admitindo que a boa gestão futura da coisa pública pudesse constituir um fim legítimo para a restrição de acesso a cargos eletivos, e pudesse ser inferida da gestão da esfera privada (o que não é demonstrável) – não era necessário que a solução criada passasse por uma inelegibilidade para todas as eleições autárquicas, mas só para estas, e qualquer que fosse a etiologia da falência ou insolvência. Tal presunção não resiste a uma situação de insolvência decorrente, por exemplo, de catástrofes, ou de circuns- tâncias macroeconómicas incontroláveis; Falha, portanto, o subprincípio da exigibilidade. d. Finalmente, porque no caso concreto o candidato atingido pela insolvência o foi por arrastamento (por avais prestados a uma sociedade de que era sócio, mas não gerente) e já deu sobejas provas de competência na gestão da coisa pública (o seu executivo – em que assumiu sempre as responsabilidades financeiras – reduziu o passivo da Câmara para 1/3 do que era à data do seu início de funções, baixando as dívidas da autarquia, em 7 anos, em mais de 20 milhões de euros); Falha, portanto, o subprincípio da justa medida. G. Ao estabelecer uma inelegibilidade para os órgãos autárquicos com fundamento numa situação prévia de falên- cia ou insolvência dos candidatos, não ultrapassada por reabilitação, a norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º da LEOAL reproduz exatamente a norma da alínea d) do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 701-B/76, e parece remeter, portanto, para as mesmas realidades jurídicas – que, no entanto, evoluíram nestas mais de 4 décadas de forma a tornar irreconhecível a remissão. a. Por um lado, a distinção entre as figuras da falência – como instituto reservado aos comerciantes – e da insolvência – como instituto reservado aos não-comerciantes – desapareceu. b. Por outro lado desapareceu também a figura da reabilitação, que vinha do Código Comercial de 1833. c. A própria lógica punitiva da falência-liquidação foi substituída pela lógica social da insolvência-recupera- ção, num movimento de europeização, desjudicialização e privatização dos processos insolvenciais. d. Tudo a justificar que se tenha já defendido que a própria norma (remissiva para esses regimes tão diversos) da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º da LEOAL se deva considerar revogada – ou caducada, por falta de cor- respondência à intencionalidade normativa imputável ao legislador parlamentar. e. Sendo certo que a opção mais recente desse legislador parlamentar, em situações de maior delicadeza na gestão de patrimónios alheios (porque impostos pelo Estado, independentemente da vontade dos sujeitos

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=