TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

846 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL As inelegibilidades apontam-se, pois, como um obstáculo à usufruição plena da capacidade eleitoral passiva dos cidadãos, o que enferma um princípio geral de direito eleitoral que emana quer do artigo 48.º da CRP, relativo à participação dos cidadãos na vida pública, quer do artigo 50.º do mesmo diploma, que respeita ao direito dê acesso aos cargos públicos. Este último direito, o de acesso a cargos públicos, sendo expressão do direito à participação na vida pública (cfr. art.º 48.º da CRP), é um direito de natureza política, que integra o catálogo dos direitos, liberdades e garantias, sendo que o direito de apresentação de candidaturas, embora fora do catálogo, enquanto refração direta dos men- cionados direitos, reveste natureza análoga à dos direitos ai elencados, beneficiando, consequentemente, do regime próprio e da força jurídica que o texto constitucional concede aos direitos, liberdades e garantias. De entre os traços do regime próprio dos direitos, liberdades e garantias temos que se destacam, seguindo a doutrina expendida pelos Profs. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (in: Constituição da República Portuguesa Anotada , pags. 271 e segs.) e pelo Prof. Jorge de Miranda (in: Manual da Direito Constitucional , 3.ª edição, págs. 311 e segs.), os seguintes: – Os respetivos preceitos constitucionais são diretamente aplicáveis (cfr. art. 18.º, n.º 1, 1.ª parte da CRP); – Vinculam entidades públicas e privadas (cfr. art. 18.º, n.º 1. 2.ª parte); – Não podem ser restringidos senão nos casos expressamente admitidos pela Constituição, restrição essa que está sujeita a reserva de lei (cfr. n.º 2 art. 18.º); – A restrição, mesmo que constitucionalmente autorizada, só é legítima se for justificada pela salvaguarda de outro direito fundamental ou de outro Interesse constitucionalmente protegido (cfr. art. 18.º, n.º 2): – A medida restritiva estabelecida por lei tem de respeitar o princípio da proporcional idade nas suas três dimensões (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) (mesmo n.º 2 do aludido pre- ceito); – As leis restritivas têm de revestir caráter geral e abstrato e salvaguardar o conteúdo essencial dos preceitos Constitucionais (cfr. art. 18.º, n.º 3).» A limitação constante do disposto no art. 6.º n.º 2 a) da LEOAL não encontra correspetivo em qualquer outro diploma normativo para as eleições nacionais e regionais, o que a nosso ver se justifica. No caso das autarquias locais, estamos perante uma forma de gestão de património financeiro, em grande medida determinado pelas receitas cobradas diretamente aos contribuintes que são os eleitores, pelo que entendeu o legislador a observância de um certo rigor na gestão privada dos bens e rendimentos do eleito e a garantia de capacidade para o efeito – neste sentido Ac. do TC n.º 588/13. Tal circunstância obriga â particularização de tal causa de inelegibilidade apenas e tão só para os órgãos das autarquias locais, pois o mesmo não se verifica no caso das e1eiçes regionais ou nacionais e por isso admite-se tam- bém por este meio uma compressão de um direito fundamental de natureza politica, a fim de garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respetivos cargos. Está por isso garantida a observação do princípio da igualdade porquanto a lei trata de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente na medida dessa diferença, uma vez que as eleições autárquicas convergem com uma forma de gestão peculiar que não tem equivalente nas eleições nacionais e regionais. No que se refere à proporcionalidade, na vertente apontada na reclamação em apreciação, designadamente de que a situação de insolvência enquanto causa de inelegibilidade se revela como uma presunção inilidível de que o candidato em causa não terá capacidade de gestão do seu património e por isso é objetivamente inapto para ser gestor de um património público, atendendo à defesa do interesse público, sopesando o interesse da comunidade e o interesse privado de quem vê arredada a possibilidade de se candidatar a um órgão da autarquia local, será de valorizar preponderantemente o interesse comunitário e bem assim admitir a compressão daquele direito de natu- reza politica, uma vez que tal limitação se mostra ajustada, proporcional e adequada. No que respeita à génese da situação de insolvência (gerada por o candidato em causa ter-se assumido como avalista de créditos de terceiros) e a administração do município durante o mandato que desempenhou e agora cessa, repristinam-se dois parágrafos do despacho em crise que respondem à argumentação despendida em pleno:

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=